Apesar de ter como discurso a independência e a composição de uma equipe técnica, o presidente Jair Bolsonaro dá mais um passo em direção à contradição, dando mais um abraço na velha política. Ao nomear, na última sexta-feira, 19, o General Silva e Luna como diretor-presidente da Petrobras, Bolsonaro retirou o critério da tecnicidade e implantou na estatal um representante de seus interesses político-ideológicos. O ato é uma afronta à Lei Federal nº 13.303, conhecida como Lei das Estatais, que tenta impedir as interferências político-partidárias em sua gestão, como mostra Daniel Lança no artigo escrito para a coluna.
A nomeação do general afronta a Lei das Estatais
Há quase cinco anos, o país dava um passo importante na moralização da gestão das empresas públicas. Era junho de 2016 quando a Lei Federal nº. 13.303 foi sancionada. Conhecida como Lei das Estatais, ela renovava a esperança de que empresas estatais e sociedades de economia mista não sofreriam mais interferências político-partidárias, introduzindo conceitos de governança corporativa, integridade e compliance já aplicáveis nas empresas privadas.
Na última sexta-feira, 19, ao indicar o nome do próximo Diretor-Presidente da Petrobras, General Silva e Luna, o Presidente da República Jair Bolsonaro fez exatamente o inverso: interferiu diretamente na autonomia da empresa petroleira, afrontando a Lei das Estatais, tanto na forma quanto no conteúdo. Explico.
Quanto à forma, esta não poderia ter sido pior. Ao não tolerar a autonomia da estatal para precificar a gasolina e o diesel, o presidente da República atropelou o rito esperado por empresas de governança como a Petrobras, antecipando o nome do novo Diretor-Presidente e o motivo.
Segundo a Lei das Estatais, em consonância com a Lei das Sociedades por Ações (Lei Federal nº. 6.404/76), o Conselho de Administração é o único órgão responsável por selecionar os membros da diretoria, incluindo o Diretor-Presidente. No caso de uma sociedade de economia mista, como a Petrobras, ao acionista controlador (leia-se, Governo Federal), compete preservar a independência do Conselho de Administração no exercício de suas funções.
Obviamente, é do jogo democrático que o acionista controlador externe preferência na indicação de determinados nomes para a diretoria estatutária, desde que atenda o interesse público que justificou a criação da companhia, e sem prejuízo das responsabilidades previstas na Lei das S/A.
O que aconteceu, entretanto, foi diferente: o Presidente da República está nitidamente constrangendo o Conselho de Administração a nomear determinado Diretor-Presidente, e assim interfere na estatal por interesses político-ideológicos em evidente conflito de interesses.
Quanto ao conteúdo, também erra o Presidente da República. O General Silva e Luna não cumpre um dos quatro requisitos obrigatórios previstos no artigo 17 da Lei das Estatais, qual seja, formação acadêmica compatível, nem preenche os requisitos estabelecidos no Estatuto Social da empresa: capacidade profissional, notório conhecimento e especialização na respectiva área de gestão.
Não que o General seja incompetente – ele possui Mestrado e Doutorado. O ponto é que as áreas de expertise do General são em ciências e operações militares. Convenhamos, nada tem a ver com os desafios de liderar uma empresa do setor de óleo e gás, num mercado ultra regulado e com enormes complexidades, cujo faturamento supera R$ 300 bilhões, com quase 50 mil funcionários e capital aberto no Brasil e em Estados Unidos.
Para tais funções, o executivo já precisa dominar áreas-fim, como exploração e produção de óleo e gás em terra e águas rasas, profundas e ultra profundas, refino industrial, poços marítimos, sistemas submarinos e de superfície; e áreas-meio (corporativas), tais como gestão financeira, EBITDA, nível de endividamento, estratégias globais de investimentos e desinvestimentos, relacionamento com investidores e governança corporativa, gestão de riscos e compliance. Em uma análise mais aprofundada, não é possível dizer que a formação acadêmica do General seja compatível com os desafios para presidir a Petrobras.
Nesse caso, o mercado foi um bom termômetro: em um único dia a Petrobras perdeu quase R$ 60 bilhões em valor de mercado. Foi a resposta adequada a um tipo de interferência política que não é mais tolerada num contexto corporativo de respeito absoluto às leis e as melhores práticas de governança corporativa.
* Daniel Lança é Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e Sócio da SG Compliance