O ministro da Justiça, Flávio Dino, resolveu fazer uma importantíssima provocação a Jair Bolsonaro – e seus seguidores – durante a inauguração de uma exposição do fotógrafo Evandro Teixeira sobre o golpe no Chile, há exatos 50 anos.
“O exercício da memória é o exercício de coerência. É o exercício de coerência com a luta democrática. É o exercício de coerência com a luta contra o fascismo. Nós devemos ao Brasil. E vamos pagar essa dívida. O Museu da Memória, da Verdade e dos Direitos Humanos no nosso país”, afirmou.
Obviamente, a declaração tratava da violência atroz da ditadura chilena, mas também da extrema-direita, responsável pelos golpes no Chile, no Brasil, na Argentina, no Uruguai e no Paraguai.
Esses golpes cobriram a América Latina de dor e vergonha – meio século atrás ou mais – mas o bolsonarismo insiste em não entender os valores universais que impedem qualquer louvação à ditadura e à tortura. Aliás, sejam os regimes de exceção de direita ou de esquerda.
Quando a desumanidade nos leva à cegueira sobre questões que estão acima da polarização – ou da disputa ideológica de lado a lado – é sinal de que a sociedade adoeceu.
O próprio Lula erra em apoiar regimes (o chavista, na Venezuela, por exemplo) que ferem os mais básicos valores civilizatórios, como já mostrou a coluna.
Mas Bolsonaro sempre foi aquele que defendeu o indefensável. Apoiou publicamente os mais cruéis atos das ditaduras do século passado no Cone Sul. Isso, Lula nunca fez. Defender a tortura, por exemplo, jamais. O ex-presidente inelegível está fazendo isso há anos, e reproduziu esse horror em milhares de seguidores.
Simbolicamente, a ideia de criar um museu da memória no Brasil – o único país da América Latina que passou por uma ditadura sem justiça de transição – é um passo à frente, em direção à compressão do que “significa elaborar o passado”, como ensinou Theodor Adorno.
O passado da ditadura no Brasil nunca foi elaborado a sério para se ter uma consciência clara sobre o regime. O que se pretende no país, ao contrário, é encerrar a questão no passado. Se possível, inclusive, riscando-o da memória.
Nesse aspecto, o ministro Flávio Dino está mais que certo em trazer essa ideia – a de um espaço para a memória – para a opinião pública. Reforçaria a civilidade, que às vezes parece ainda engatinhar no Brasil.
Todos países que passaram por períodos de opressão, revisitam em museus os fatos históricos exatamente para que eles não sejam negados. Ainda que o negacionismo seja uma doença que ignore qualquer evidência.