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A antiética de Bolsonaro

Daniel Lança analisa as ações e falas de Bolsonaro à luz do conceito filosófico de ética e coloca em cheque o discurso do presidente

Por Daniel Lança
Atualizado em 5 jun 2021, 12h40 - Publicado em 5 jun 2021, 12h32

Você considera o presidente Bolsonaro ético? Quando conversamos sobre ética, é comum fazermos ligação direta com o caráter individual, quase sempre sinônimo de incorruptibilidade, como uma pessoa que não aceitaria suborno. Quero propor aqui três provocações e uma conclusão: o que não é ética; o que nem sempre é ética; e a concepção clássica, filosófica de ética. Finalizo respondendo a pergunta proposta.

Ética definitivamente não é estética, isto é, não é uma imagem moralista que funciona como enfeite que se possa exibir. Sua concepção perpassa escolhas diárias – muitas vezes difíceis quando ninguém está vendo. A ética de aparências não se sustenta; em tempos de informações aceleradas, tal fachada é demolida com facilidade. Nos dias de hoje, inversamente à máxima de Pompeia, mulher de César, não basta parecer honesto, é preciso ser honesto.

Ética também não é apenas sobre corrupção, diferentemente do que se prega nos treinamentos de compliance. Seu conceito é muito mais abrangente que simplesmente estar em conformidade com as normas, leis, regulações. Ao contrário. Por vezes, o cumprimento cego às regras pode ser uma decisão altamente antiética, ao passo que uma escolha ética pode caminhar para o descumprimento a determinadas normas do status quo, como no caso daqueles que abrigavam judeus durante a segunda guerra mundial, em clara afronta às leis nazistas da época.

O que, então, é ética? 

Aristóteles acreditava que ética está intimamente ligada à justa medida, à prática de uma justiça teleológica que compreende que toda escolha possui uma finalidade: a felicidade. Kant afirmava que ética é deontológica e insere-se no pressuposto da razão universal que guia o dever bem estar social. Tal conduta fará o bem coletivo? Se sim, esta é uma atitude ética; se não, antiética.

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Em síntese, é possível dizer que ética é o agir humano no mundo e representa um conjunto de valores que orienta o comportamento entre pessoas e a conduta social, não apenas individual. Só falamos em ética porque vivemos em coletividade; se vivêssemos sozinhos no mundo, não haveria por que discutir ética porquanto não há convivência coletiva. Portanto, ética vai muito além de corrupção; ela está intrínseca ao respeito, à convivência com a diferença e na coabitação pacífica, justa e harmoniosa entre seres humanos e envolve, inclusive, como lidamos com a natureza, já que a sustentabilidade pressupõe pensar nas próximas gerações.

Agora voltemos a Bolsonaro. Diferentemente do que ele afirma, há sérias dúvidas sobre sua lisura ética, de seus familiares e de seu governo. O Presidente da República deliberadamente mantém na alta cúpula governamental investigados por corrupção, como o atual Ministro do Meio Ambiente, e desfacela os órgãos de controle, como o COAF e Polícia Federal, em claro retrocesso no combate à corrupção. 

Na concepção filosófica de ética, Bolsonaro também não tem o que mostrar. Não são poucos os eventos em que o Presidente mostra desrespeito às regras de convivência coletiva, como, por exemplo, quando promove aglomeração sem uso de máscara durante a pandemia ou quando implica a alternativa da imunidade de rebanho, desencadeando na morte evitável de milhares de brasileiros. 

Aliás, toda a condução do Presidente na atual crise sanitária é evidentemente antiética, visto que ele mostra desprezo pela vida, seja em ações ou omissões. Não há qualquer remorso quanto aos mais de 470 mil mortos (em outras oportunidades disse que aquilo era um “frescura”, “mimimi”, “fazer o que?”). Nesta semana, ao ser questionado sobre o recorde de mortos por Covid-19 no Brasil, preferiu dizer a apoiadores que é “ininfectável”; sua postura é autocentrada e incapaz de demonstrar empatia.

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Para além da condução da pandemia, Bolsonaro promove ódio e polarização e age contra direitos humanos e de minorias, como mulheres, negros, quilombolas, indígenas, LGBTI+, etc. Ele defende abertamente o uso da tortura; não teme dizer que “bandido bom é bandido morto” e que “violência se combate com violência”; sugeriu a uma mulher que “não a estupraria porque ela não merece”; que teve uma filha depois de uma “fraquejada”; que “refugiados são a escória do mundo” e que “Pinochet fez o que tinha que fazer”.

Vale lembrar que o desprezo pelo outro é o mais evidente sinal de antieticidade da conduta. Não existe convivência coletiva harmoniosa em um ambiente de promoção ao ódio, desrespeito e polarização, e sem amor, empatia e respeito. Deixo ao leitor e à leitora a provocação inicial: você considera o presidente Bolsonaro ético?

Daniel Lança é advogado, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e sócio da SG Compliance. É Professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC) e foi um dos especialistas a escrever as Novas Medidas contra a Corrupção (FGV/Transparência Internacional)

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