Com um cofre bilionário, o PL de Valdemar Costa Neto se prepara para conseguir um número recorde de prefeitos e vereadores nas eleições deste ano. Mais do que uma estratégia pontual, a ofensiva é um prelúdio para a disputa nacional de 2026, como mostra reportagem de capa desta semana. O plano da legenda é preparar terreno para daqui a dois anos ampliar a sua relevância no Congresso Nacional, onde já tem a maior bancada da Câmara, e manter a sua influência política e, principalmente, o caixa cheio.
O aliado de Jair Bolsonaro recebeu a reportagem de VEJA na sede da sigla, em São Paulo, e falou sobre a destinação dos vultosos recursos eleitorais — é o primeiro partido a receber mais de 1 bilhão de recursos públicos em um ano eleitoral –, a investigação que apura uma suposta trama golpista para impedir a posse de Lula e a sucessão presidencial em 2026, na qual o partido espera contar com o ex-presidente da República, que hoje está inelegível em razão de decisão da Justiça Eleitoral. “Vamos ganhar as eleições e, em 2027, voltaremos ao poder”, promete.
Leia a entrevista.
O PL terá pouco mais de 1 bilhão de reais em 2024. Como vai usar isso? É uma loucura, porque é muito dinheiro para o país, mas não para o partido. O Brasil é um continente. Deveremos ter perto de 2 000 candidatos a prefeito e 40 000 a vereador. Se pegar o dinheiro e dividir com todo mundo, não dá.
Qual seria a alternativa? Devíamos ser financiados pelas empresas, com um teto, como nos EUA. Hoje, o camarada pode doar até 10% do que fatura como pessoa física. É uma mixaria. Tem que liberar doação empresarial. E tirar o dinheiro público disso.
A direção do partido orienta essa destinação de recursos? A base do partido são os deputados estaduais e federais e senadores, todos os recursos [do Fundo Eleitoral] vêm deles, porque foram eles que trouxeram esse valor para o partido. Portanto, 70% vai ser destinado por esses parlamentares aos candidatos. Os deputados sabem quem são os prefeitos e vereadores que precisam de mais ajuda. Caso haja um candidato numa cidade que precisa de mais recursos, ele faz a solicitação e o partido vai liberando. Tudo isso acompanhado pela direção estadual e, dependendo do caso, nas cidades maiores, pela direção nacional. E temos também os 30% que são da cota de candidaturas femininas.
“É uma loucura, porque é muito dinheiro para o país, mas não para o partido. O Brasil é um continente. Deveremos ter perto de 2 000 candidatos a prefeito e 40 000 a vereador. Se pegar o dinheiro e dividir com todo mundo, não dá”
E como tem sido aplicar esses 30% da cota feminina? Esse é um grande problema. Porque apesar de a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro [presidente do PL Mulher] estar fazendo um grande trabalho de trazer mulheres para o partido, ainda temos dificuldade para gastar esse percentual. Falta candidatura de mulheres que tenham voto qualificado. Não posso dar 50.000 reais para uma candidata que vá fazer dois votos. Ou seja, não tem como eu destinar os recursos para determinada cidade e dizer que 30% precisa ser gasto com candidaturas femininas. Porque aí o dirigente se vê na obrigação de gastar aquele percentual de 30% e acaba tendo que dar para candidatas a vereadoras que não têm voto. Esse é um problemaço.
O Congresso aprovou essa fatia de 30% em 2022, mas muitos partidos, da direita à esquerda, defendem que o percentual seja progressivo. Sou a favor das cotas femininas, tanto que aumentamos o número de mulheres na Câmara dos Deputados em 2022 e vamos aumentar ainda mais em 2026. Mas acredito que deveríamos ter começado com 15%, depois na eleição seguinte, 20%, na outra 25%, até se chegar aos 30%. Em 2020, tivemos 4.294 vereadores eleitos, sendo que 588 são mulheres. Queremos aumentar esse número.
No Rio de Janeiro, a sigla já anunciou que o pré-candidato a prefeito, Alexandre Ramagem, terá uma mulher como vice. O Rio de Janeiro vai precisar da cota toda, porque é uma das maiores cidades do país, é a cidade do Bolsonaro, da família Bolsonaro. Por isso a vice precisará ser mulher: porque aí posso dar os 100%. A lei realmente acaba beneficiando as mulheres, porque os partidos acabam escolhendo mais vices mulheres. Mas é um problema fazer esse ajuste, porque hoje os partidos, principalmente os grandes, têm dificuldade para gastar os 30%.
Qual será o papel de Bolsonaro na campanha? Ele e a Michelle vão gravar com todos os candidatos mais importantes, fazer gravação com nome e número. Em 2022 ele não pôde pedir voto diretamente para deputados federais e estaduais porque nós estávamos coligados com o PP e o Republicanos. Mas agora pode. E ele já está ajudando muito, em todo lugar que vai é uma multidão nas ruas. Claro que o pessoal nosso vai ter que discutir com ele, porque ele tem as preferências dele. Vamos ajustar. Teremos que ter quatro frentes. Será Bolsonaro e Michelle, nunca juntos, para poder abranger mais locais de uma vez. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), que é impressionante, todo lugar quer o Nikolas. E o Marcos Pontes, o astronauta. Ele tem muita popularidade.
Bolsonaro irá escolher os principais candidatos a serem apoiados? É ele que define, ele que escolhe. E não vai dar para ele fazer um décimo do que tem que fazer. Já estamos esperando uma guerra interna [do partido] contra a gente na campanha, porque o candidato vai pedir para o Bolsonaro passar na cidade, ele não vai. O Bolsonaro só anda em avião de carreira. ‘Ah, mas na minha cidade tem voo de carreira’, Sim, mas ele vai perder um dia para ir na sua cidade? Ele vai ter 52 dias de campanha. Vai ser um problema.
E como está a comunicação com o Bolsonaro, visto que há a proibição de contato entre vocês pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF? Eu não posso falar com o Bolsonaro e isso me atrapalha a vida. Nós queremos ver até quando vai isso aí. Vamos ver se a gente consegue entrar com outro recurso agora. Isso é muito ruim para nós. O Moraes sabe que eu não participei de nada (de tentativa de golpe). Agora entrei com um pedido para ele me liberar, e o Ministério Público falou para continuar a investigação.
O senhor acha que o Judiciário tem exagerado? Eu acho que sim. O PL tomou uma multa de 23 milhões de reais [por litigância de má-fé ao questionar o resultado das urnas em 2022]. Isso nunca existiu no país. Então, essas coisas ficam difíceis. Agora, o ideal é isso aí acabar para a gente viver em paz, tocar nossa vida para a frente. E o Poder Judiciário também, com a independência que eles têm, tocar a vida deles.
Há expectativa de que o inquérito se encerre logo? Eu acho que não. Todos esses processos demoram demais. Eu nunca conversei sobre esse assunto [golpe de estado] com ninguém. O pessoal falava em golpe, lógico. O pessoal é fanático, mas o Bolsonaro jamais faria. Agora nós temos que lutar para derrubar as medidas cautelares, porque eu não posso ficar a vida toda sem falar com o Bolsonaro. Prejudica muito o partido. Eu acho que ele [Moraes] vai entender isso aí.
“Eu nunca conversei sobre esse assunto [golpe de estado] com ninguém. O pessoal falava em golpe, lógico. O pessoal é fanático, mas o Bolsonaro jamais faria”
Como faz quando precisa tratar algo com ele? Às vezes tem um negócio em tal lugar, eu mando um deputado que vai lá falar com ele. Não tem uma pessoa específica. Mas isso é ruim para mim, pois tem coisas que a gente não consegue resolver. Porque o Bolsonaro é difícil.
O senhor foi preso no inquérito que apura o golpe de Estado. Como está lidando com isso? Eu tinha um problema sério com a extrema direita do partido, o pessoal mais novo, que acha que tudo que é da esquerda é errado. No PL, são uns 30%, 40%. Eles tinham restrição a mim, porque tivemos um vice-presidente no governo do PT. Com essa prisão, Moraes me zerou com a turma da direita, que pensou: “Agora eu vi que o Valdemar é um dos nossos”. O que esse pessoal viu? Que o Moraes me prendeu porque estou com o Bolsonaro. Foi bom para mim.
Em 2026, o PL terá candidato ao Palácio do Planalto, mesmo que não seja o ex-presidente, que hoje está inelegível? Sim, o Bolsonaro é quem vai escolher. Ele escolhe o presidente e o vice. É ele que tem os votos. Então, se você me perguntar quem vai ser o próximo candidato a presidente, eu não sei. Não sei se o Bolsonaro vai inventar outro Tarcísio de Freitas. É imprevisível, porque o Bolsonaro não é um camarada normal como a gente. Não é.
As eleições municipais já são um prelúdio para 2026? Nós vamos ganhar as eleições em 2026, e em 2027 estaremos no poder, com certeza. O PL vai ter o maior tempo de televisão e o maior Fundo Eleitoral. Vamos crescer para valer.
Mas Bolsonaro está inelegível. Quais seriam as opções? Eu acredito que até lá ele possa mudar essa situação. Pode acontecer.
E sem Bolsonaro… Aí é o Bolsonaro quem vai escolher. Ele escolhe o presidente e o vice, porque é ele que tem os votos. Tem esses vários nomes que estão se colocando: Ronaldo Caiado, Tarcísio de Freitas, Ratinho Jr, Romeu Zema. Mas, politicamente, o primeiro da fila é o Tarcísio.
Tarcísio teria uma vice mulher? Fala-se na Michelle Bolsonaro. Acho difícil. O Bolsonaro quer a Michelle num cargo Legislativo, no Senado. Porque ele acha que é difícil lidar com essas coisas do Executivo.
“O Bolsonaro tem um problema sério, que ele passou por vários partidos e o pessoal acaba brigando com ele, porque ele não é uma pessoa normal, como nós. E aí eu consegui enxergar isso”
Hoje o PL é a maior legenda na Câmara e uma das maiores do país. O que elevou o partido a esse patamar? Bolsonaro. Bolsonaro é um fenômeno. Eu faço minha parte na parte administrativa do partido, tenho alguma experiência. Mas o Bolsonaro tem um problema sério, que ele passou por vários partidos e o pessoal acaba brigando com ele, porque ele não é uma pessoa normal, como nós. E aí eu consegui enxergar isso. Esse foi o único mérito que eu tenho nessa história toda. Um dia um repórter me perguntou o que eu achava do Lula. Eu falei: ‘O Lula é um gênio’. Foi duas vezes presidente e agora a terceira vez, só que está indo mal. Mas o Bolsonaro, volto a repetir, é um fenômeno.