Desde que a primeira apreensão de crack foi feita no país, no entorno da Estação da Luz, no centro de São Paulo, em 1991, a legião de usuários da droga vagando pelas ruas da região batizada como “cracolândia” só aumentou — e, desde então, tem desafiado, um a um, todos os governantes do estado e da cidade.
O problema agora está nas mãos do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que lançaram no final de janeiro, um ambicioso plano para tentar equacionar o problema. Dois meses depois, no entanto, o que se viu foram as mesmas imagens desesperadoras de sempre. No último final de semana, após mais um confronto com a polícia, usuários de drogas colocaram fogo em sacos de lixo e caixotes de madeira, o que levou a nova intervenção da polícia. As imagens de numerosos grupos de dependentes vagando pelo centro, que também viralizaram nas redes sociais, levou o padre Júlio Lancellotti, que atua há muito tempo na região, a classificar a situação como “crise humanitária”.
Enquanto isso, a intervenção de Ricardo Nunes e Tarcísio de Freitas segue em passos lentos. O plano divulgado por eles contempla políticas de saúde, urbanísticas, econômicas e de segurança para a cracolândia, mas a maioria das medidas anunciadas como “emergenciais” ainda não saiu do papel — Uma delas é a instalação de 500 câmeras de monitoramento na área. A contratação de 200 profissionais especializados para a abordagem de dependentes químicos também ainda não aconteceu.
Tarcísio anunciou que o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), criado em 2012, passaria a funcionar como uma porta de entrada para os atendimentos aos usuários de droga. O local teria 40 vagas para tratamento e, dali, os dependentes químicos poderiam ser encaminhados para unidades de saúde, comunidades terapêuticas ou receber outras alternativas, a depender da necessidade de cada um. O início do funcionamento do novo centro estava previsto para março, mas a reforma do prédio ainda não terminou.
Servidores do Cratod afirmam que a obra teve início em 21 de março e, desde então, os atendimentos estão suspensos. Os usuários que procuram o serviço são orientados a buscar outros equipamentos de saúde da região. Casos mais urgentes foram atendidos na porta, do lado de fora, segundo funcionários — eles também reclamam de não terem sido ouvidos sobre as mudanças que o governo pretende fazer no funcionamento do centro.
Em 23 de março, o governo estadual exonerou o diretor do Cratod, Marcelo Ribeiro, que ocupava o cargo desde 2013. A gestão agora ficará a cargo da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), que indicará um novo diretor. A organização social é presidida pelo psiquiatra Ronaldo Laranjeira, conhecido por defender a abstinência e a internação involuntária e compulsória como tratamento para dependentes químicos — alternativa refutada por muitos especialistas.
Em nota, o governo de São Paulo disse que o Cratod passou por adaptações e dará lugar a um “Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas”, que será reinaugurado na próxima semana. “O convênio com a Organização Social de Saúde (OSS) que fará a gestão da unidade já foi assinado e a contratação dos 200 profissionais que farão as abordagens qualificadas está em andamento. Durante a reforma, os atendimentos estão sendo direcionados aos demais equipamentos de saúde da região, como o Recomeço da Rua Helvetia e os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), após as ações de acolhimento e triagem”, informou.
A administração estadual também informou que ampliou para 1,4 mil as vagas em comunidades terapêuticas, que estão com 61% de ocupação, e afirmou que está investindo em serviços de apoio que serão oferecidos como complemento para após o final do tratamento, incluindo capacitação e reintegração social.