O vazamento dos áudios em que o tenente-coronel Mauro Cesar Cid revela que foi pressionado a mentir no acordo de colaboração premiada feito sob chancela do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, abre um novo caminho nas investigações contra ele e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Na leitura do ex-procurador da força-tarefa da operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, o relato do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro — revelado com exclusividade por VEJA — coloca a prisão do ex-presidente em um horizonte mais distante e pode fazer a conta de Cid com a Justiça ficar ainda mais cara.
Além disso, o ex-deputado federal afirma a VEJA que os áudios revelam um STF agindo nos mesmos moldes que foram imputados à operação — que chegou a fazer quase 300 acordos de colaboração premiada, vários anulados na última instância do Judiciário brasileiro. Cassado em maio de 2023 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela anulação do seu registro de candidatura, Dallagnol não saiu da vida política e já se apresentou como pré-candidato à prefeitura de Curitiba pelo Novo.
Na sua análise, quais são as possíveis saídas diante dos áudios de Cid que vieram a público? A primeira hipótese é a de que não houve voluntariedade e que os áudios vazados são verdadeiros no seu conteúdo. Nesse caso, existe uma ilicitude praticada pelo Estado e as autoridades responsáveis têm que ser investigadas por prevaricação, abuso de autoridade, falsidade ideológica e constrangimento ilegal. O acordo é ilegal, e, consequentemente, os termos de declarações são ilegais também. A segunda hipótese é a de que Mauro Cid mentiu nos áudios, e não na colaboração original. Nesse caso, o acordo pode ser rescindido e as consequências são diferentes: os depoimentos perdem perdem força, mas permanecem válidos. Se o acordo de Cid seguir o modelo da Lava-Jato, vai estar previsto que, no caso de mentira por parte dele, os benefícios são perdidos, mas o Estado ainda pode usar as provas.
Qual das duas hipóteses o senhor acha mais plausível? Existe uma coerência dos abusos que a gente vê com a primeira hipótese, de uma ilicitude estatal. Vemos o STF direcionando inquéritos, atuando sem competência, prendendo para delatar, prendendo além do prazo legal – coisa que a Lava Jato nunca fez –, não dando acesso aos autos aos advogados, além de uma série de outros abusos. Mas minha leitura de como funciona a política do Supremo aponta no sentido de que a segunda hipótese é que vai prevalecer. Porque quando se fala nos mais altos poderes da República, a corda arrebenta para o lado mais fraco.
Quais são as consequências para Mauro Cid? Se ele mentiu agora nos áudios, praticou uma violação ao acordo, também por quebra de boa-fé objetiva e de confiança, que são requisitos legais da colaboração, segundo a própria lei. Nessa situação, ele terá que responder por todos os crimes e por toda as penas, sem receber benefício algum, e o Estado vai poder usar os seus depoimentos.
E quais são as consequências para as investigações? A lei estabelece que a palavra do colaborador tem um valor relativo e precisa de uma prova que a confirme. Agora, para o STF avançar contra Bolsonaro, vai precisar de mais que meras provas de confirmação. Vai precisar de provas independentes, com força própria.
O senhor é muito criticado pelas delações feitas na Lava-Jato — muitas anuladas pelo STF. Os áudios de Cid confirmam ou refutam essas críticas? O STF acusa a Lava-Jato do que ela não fez e do que o próprio STF faz. Nunca teve coação sobre os réus da força-tarefa. Está tudo gravado, registrado, demonstrado. A Lava-Jato nunca prendeu pessoas por mais de quarenta dias sem uma acusação, como o STF fez com Mauro Cid, Anderson Torres (ex-ministro da Justiça de Bolsonaro), Silvinei Vasques (ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal). Na Lava Jato mais de 80% dos réus que fizeram acordos não foram presos.
É normal Cid ter prestado tantos depoimentos sucessivos à PF nesse acordo de colaboração? Sim, porque uma pessoa que fala sobre trinta, quarenta, cinquenta fatos, depois de relatá-los, precisa depor em detalhes sobre cada um deles. Isso é normal. O que acontece hoje é outra coisa, completamente atípica. Temos um delator dizendo que foi coagido, que há perseguição a Bolsonaro e vemos uma série de abusos sendo praticados. Há alguém acusando Supremo e Polícia Federal de estarem praticando crimes. Isso precisa estar esclarecido e ser objeto de uma análise imparcial.