Quatro razões para o chefe da Funai não estar no cargo, segundo PF e MPF
Marcelo Xavier é suspeito de apoiar fazendeiros quando era delegado, ajudou CPI contra o órgão e aparece em dois momentos comprometedores em investigação
Quando Marcelo Augusto Xavier era delegado em Barra do Garças, no Mato Grosso, as autoridades federais tentavam a duras penas concretizar a ordem judicial do Supremo Tribunal Federal para retirar milhares de invasores da terra indígena Marãiwatsédé. O ano era 2013 e, até ali, as invasões de posseiros foram constantes durante quase duas décadas sem que a Fundação Nacional do Índio (Funai) conseguisse impedi-las. A reserva já estava homologada pelo governo brasileiro desde 1998, mas um processo judicial impediu que os posseiros fossem retirados à força até 2012.
Toda vez que os soldados da Força Nacional deixavam a região, ao término de uma operação, os invasores voltavam. O Ministério Público Federal acreditava que era uma ação coordenada por grandes fazendeiros da região, pois os produtores rurais chegavam acompanhados de caminhões e máquinas agrícolas. O procurador Wilson Rocha Fernandes Assis pediu uma investigação, inclusive com escutas telefônicas contra os fazendeiros da região.
Xavier, que hoje ocupa a presidência da Funai, era o delegado federal responsável por acompanhar os processos relativos à terra indígena. Segundo o procurador, ele foi contra a operação. Tanto que o MPF pediu a interceptação telefônica diretamente à Justiça Federal — um procedimento incomum, normalmente feito pela própria PF. “Em dado momento, no áudio aparecem referências ao então delegado da PF em Barra do Garças e atual presidente da Funai, Marcelo Xavier, de que ele seria um aliado, uma pessoa que estava do lado dos fazendeiros ocupantes da área”, contou Assis a VEJA.
O áudio foi enviado à Superintendência da PF no Mato Grosso e Xavier foi afastado da operação que tentava retirar os invasores. Ele ressurgiria no debate público sobre questões indígenas em 2016, como assessor de uma Comissão Parlamentar de Inquérito convocada por deputados da bancada ruralista que investigou a Funai e o Incra. Na CPI, Xavier foi um aliado do deputado Nílson Leitão (PSDB-MT), que no anterior se tornou investigado por suspeitas de insuflar posseiros a seguirem invadindo, justamente, a terra indígena Marãiwatsédé.
Reportagem de VEJA desta semana mostra como relatórios de investigação da PF comprometem o presidente da Funai em ao menos dois episódios. Em um deles, ele aparece em um áudio conversando com um funcionário acusado de liderar esquema de arrendamento ilegal de terras a produtores rurais em Marãiwatsédé. Três militares que trabalhavam na Funai seriam presos sob a acusação de receber dinheiro dos arrendatários, segundo a PF e o Ministério Público Federal. No processo está a gravação na qual Xavier fala com um dos suspeitos de envolvimento no caso, o ex-fuzileiro naval Jussielson Gonçalves Silva, coordenador regional da fundação. Jussielson mostra-se preocupado com pedidos de informação da PF. “Pode ficar tranquilo aí, que você tem toda a sustentação aqui”, responde o presidente da Funai.
Documentos da investigação em curso também mostram o episódio da recente nomeação para um cargo que o presidente da Funai fez a favor de Thaiana Ribeiro Viana, casada com o PM Gerard Maximiliano, apontado como braço direito de Jussielson. Despachante de armas, ela foi designada para um posto comissionado da Funai no Xingu, a 120 quilômetros de onde morava. A PF recebeu comprovantes de transferências por Pix que somavam 50 000 reais da filha de um dos arrendatários para a conta de Thaiana, com o termo “arrendamento” na descrição do depósito. O fazendeiro diz que fez o pagamento para continuar o arrendamento ilegal da área. Maximiliano negou em depoimento ter recebido dinheiro, mas disse que não tinha certeza do motivo da transferência à esposa.
“Esse caso é exemplar do que vem acontecendo na Funai. Em primeiro lugar, pelo perfil das pessoas que estão sendo colocadas nas coordenações regionais. Grande parte das pessoas de confiança que o Marcelo Xavier coloca para coordenar essas regionais são ou militares ou policiais que não têm a menor familiaridade com a questão indígena e são colocadas lá para fazer sabe-se lá o quê”, afirma Fernando Vianna, presidente do Indigenistas Associados (INA).