Nos últimos anos, o Brasil foi palco de dezenas de casos de inspiração neonazista. O número de células também se multiplicou no país: passou de 72 em 2015 para 1.117 em 2022, segundo monitoramento feito pela pesquisadora Adriana Dias, antropóloga e doutora pela Unicamp cujo trabalho serve de referência para a polícia e o Ministério Público. Esses grupos atuam no Facebook, Instagram, Twitter e em plataformas menos conhecidas, como a rede social russa VK e a americana Gab, além de fóruns on-line e endereços da deep web, o submundo da internet. O discurso antissemita, racista e xenofóbico também é comum no Telegram, onde usuários declaradamente neonazistas não se preocupam em se esconder.
A maioria desses grupos está concentrada em São Paulo e nos estados do Sul, principalmente Santa Catarina. No último dia 14, a Polícia Civil catarinense interrompeu, por exemplo, um encontro neonazista na zona rural de São Pedro de Alcântara, na região metropolitana de Florianópolis, e prendeu oito pessoas. O Ministério Público do estado também investiga uma saudação nazista durante uma manifestação bolsonarista em São Miguel do Oeste (SC), após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições.
Entram para a lista de casos recentes os ataques a duas escolas em Aracruz, no Espírito Santo, nesta sexta-feira, 25. O atirador, um adolescente de 16 anos, usava uma suástica presa na roupa no momento do atentado. Quatro pessoas morreram e doze ficaram feridas. Em Caruaru (PE), a sede do MST foi incendiada e pichada com suásticas e a palavra “mito” no último dia 12. Alguns pontos explicam o aumento de casos desse tipo no Brasil:
1. A eleição de Jair Bolsonaro
Foi a partir de 2019 que as células neonazistas se multiplicaram no país. Na esteira do discurso do presidente Jair Bolsonaro e do avanço da direita política no Brasil, esses grupos se sentiram autorizados a atuar. Não é exagero dizer que esses movimentos se identificam com o nacionalismo exacerbado do bolsonarismo. Isso começa pelo slogan de campanha do presidente — “Brasil acima de tudo” —, semelhante a “Deutscland über alles”, que significa “Alemanha acima de tudo”, bordão utilizado na Alemanha de Hitler.
Além disso, alguns atos ajudaram a reforçar esse sentimento. No Palácio do Planalto, o presidente se reuniu, por exemplo, com a deputada alemã Beatrix von Storch, neta do ministro das Finanças de Hitler, Lutz Graf Schwerin von Krosigk, e líder do partido de extrema direita AfD. Em 2011, antes de Bolsonaro assumir a presidência, lideranças de grupos neonazistas convocaram uma manifestação de apoio ao então deputado na Avenida Paulista. A pesquisadora Adriana Dias também encontrou uma carta assinada pelo próprio capitão em sites neonazistas em 2004. “Vocês são a razão da existência do meu mandato”, escreveu.
Também vale lembrar o ex-secretário especial da Cultura Roberto Alvim, exonerado em 2020 após fazer um vídeo parafraseando um discurso do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels.
2. Legislação
O nazismo hoje é punido com base na Lei de Crimes Raciais, e a pena pode chegar a cinco anos de prisão. Há discussão, no entanto, se a legislação é clara o suficiente. O texto prevê que é crime fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
Tramitam no Senado três projetos de lei para aumentar a punição para oito anos e tipificar criminalmente a apologia ao nazismo, a prática de saudações nazistas e a negação, justificação ou aprovação do Holocausto. Segundo especialistas, faltam ainda treinamento e melhor compreensão das normas nas polícias, nos MPs e no Judiciário.
3. Histórico do país
Na primeira metade do século XX, o Brasil foi sede da maior filial do partido nazista fora da Alemanha, com 3.000 membros. Na era Getúlio Vargas, durante o Estado Novo (1937-1945), o governo estreitou relações com a Alemanha e demorou a tomar o lado dos Aliados na guerra. “Você só resolve os problemas quando vai atrás de contar a verdade histórica. As pessoas não tiveram acesso à verdade histórica em Santa Catarina, por exemplo. Os neonazistas se aproveitam disso”, diz Adriana Dias.
4. Contexto mundial
O avanço no neonazismo no Brasil pode ser explicado, ainda, pela ascensão da extrema direita em todo o mundo, como foi o caso dos Estados Unidos, com Donald Trump, e da Hungria, com Viktor Orbán. No país, há ainda grupos inspirados pelo integralismo, movimento fascista criado nos anos 1930 pelo deputado Plínio Salgado e cujo lema (“Deus, pátria e família”) é o mesmo utilizado por Bolsonaro. Entre esses movimentos atuais estão a Frente Integralista Brasileira e o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL-B).