Enquanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tenta agradar ao segmento jurídico — e também obter algum dividendo eleitoral para seus projetos em 2026 — ao encampar a PEC do Quinquênio, um órgão técnico da própria Casa que ele preside aponta problemas fundamentais do texto, uma iniciativa que pode trazer um duro impacto às contas públicas no momento em o país se esforça para ir em outra direção — a do corte de gastos.
Além do impacto estimado em mais de 80 bilhões de reais até 2026, a Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado aponta ao menos três nulidades da Proposta de Emenda à Constituição nº 10/2023: a ausência de previsão de onde sairão os recursos, o fato de significar uma imposição da União sobre encargos de outros entes (estados e municípios) e a possibilidade de os vencimentos ultrapassarem o teto constitucional.
Proposta por Pacheco no final do ano passado, a PEC do Quinquênio prevê um reajuste salarial de 5% a magistrados e integrantes do Ministério Público a cada cinco anos de trabalho, até o limite de 35%. O cálculo inclui o tempo de trabalho anterior à carreira jurídica e também valerá para aposentados e pensionistas. E mais: não incide sobre o teto Constitucional, o que pode fazer com que o vencimento do beneficiário ultrapasse o limite de 44 mil reais, que é o salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
O previsível efeito cascata já surgiu durante a tramitação. Um substitutivo proposto pelo relator da matéria, senador Eduardo Gomes (PL-TO), ampliou o benefício para outras categorias; membros da Advocacia Pública da União, dos estados e do Distrito Federal, da Defensoria Pública, além de ministros e conselheiros de Tribunais de Contas como os potenciais beneficiários do quinquênio.
A PEC foi aprovada em abril na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) e está em discussão no plenário. Já cumpriu quatro das cinco sessões deliberativas necessárias para ser encaminhada para votação. A ala econômica do governo, no entanto, tenta barrar a proposta e a considera uma “‘pauta-bomba” pelo seu potencial impacto nas contas públicas.
Tamanho do impacto
Elaborada a pedido da liderança do governo, a nota técnica do órgão do Senado calculou o tamanho do estrago que a PEC proporcionaria. Segundo o documento, a proposta tem potencial de impactar 2,32 % de toda a despesa discricionária da União, ou seja, o total de recursos disponíveis para a execução de políticas públicas na esfera federal. Se já estivesse em vigor em 2024, o valor seria de 20 bilhões de reais nos orçamentos da União, estados e municípios. Para se ter uma ideia, o programa Pé de Meia, que prevê uma bolsa mensal para manter 2,5 milhões de estudantes por ano no Ensino Médio, tem orçamento anual de 7,1 bilhões de reais.
Alternativa
Ao buscar apoio para a aprovação da matéria, Pacheco propôs o enxugamento da PEC para retornar à sua proposta original, restringindo o benefício para magistrados e integrantes do Ministério Público. Segundo a assessoria do presidente do Senado, dessa forma o impacto seria de 2,9 bilhões de reais. A nota técnica da consultoria do Senado, entretanto, aponta um valor bem maior: 10 bilhões de reais.
No debate político, o presidente do Senado também sugere que a PEC do Quinquênio seja aprovada “casada” com a PEC que propõe o fim dos “supersalários” no funcionalismo público — esta proposta, no entanto, está parada na CCJ, onde aguarda a indicação de um relator.
O presidente do Senado defende a proposta argumentando que ela cria uma espécie de “plano de carreira”, valorizando o servidor que tem mais experiência. “O projeto de lei que põe fim aos salários excessivos do Judiciário em conjunto com a PEC de restruturação da carreira, com o reconhecimento das limitações e vedações constitucionais que os juízes possuem, é a fórmula justa e razoável de conciliar o interesse público e orçamentário com a indispensável valorização desses profissionais”, disse o senador, ressaltando que essas carreiras têm dedicação exclusiva e fundamental importância para a sociedade.
“Essa combinação legislativa, dentro dos limites orçamentários do próprio Poder Judiciário, representará no final das contas o uso racional e com critério de recursos para valorização igual de seus membros. Isso é mais útil para a sociedade do que conviver com a existência de penduricalhos e construção de prédios suntuosos, normalmente mais onerosos”, argumentou.