O pedido de destaque do ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), que interrompeu o julgamento a respeito da obrigatoriedade da exigência do comprovante de vacinação contra Covid-19 de viajantes que chegam do exterior ao país é o mais recente gesto do magistrado indicado por Jair Bolsonaro (PL) a paralisar o julgamento de um tema de interesse do presidente ou seus seguidores — um tipo de manobra já elogiada pelo próprio capitão.
Semelhante ao pedido de vista, em que o ministro pede mais tempo para analisar o processo, o destaque tem um efeito indesejado. Solicitado no curso do Plenário Virtual (concebido para acelerar as análises), o pedido de destaque faz com que o julgamento volte à estaca zero no Plenário físico — que só volta a se reunir em fevereiro de 2022 em razão do recesso forense.
Até então, o placar na Corte estava em 8 a 0 em favor da obrigatoriedade do documento que tem Bolsonaro como um de seus maiores opositores. Enquanto a ação não volta a ser julgada, fica valendo a liminar do ministro Luis Roberto Barroso, que obriga a apresentação do certificado.
“Quando se fala em pautas conservadoras, ele já pediu vista de muita coisa que tem que a ver com conservadorismo. Porque, se ele apenas votasse contra, ia perder por 8 a 3, ou 10 a 1. A gente não quer perder por 8 a 3 ou 10 a 1. A gente quer ganhar o jogo ou empatar. Ele está empatando esse jogo”, afirmou Bolsonaro em novembro sobre Nunes Marques. “Hoje eu tenho 10% de mim dentro do Supremo”, acrescentou.
Paralelamente às interrupções, seja por pedido de destaque ou de vista, as decisões de Nunes Marques também mostram sintonia com o Palácio do Planalto: o ministro votou a favor da liberação de cultos durante a pandemia, a favor do marco temporal para demarcação de terras indígenas, contra estados e municípios determinarem a obrigatoriedade da vacinação contra Covid-19 e contra a reeleição de Rodrigo Maia ao comando da Câmara.
Relembre outras interrupções de Nunes Marques:
Fake news
Em novembro, Nunes Marques interrompeu um julgamento de um recurso de Bolsonaro que questionava o regimento interno da Corte em razão da abertura do inquérito das fake news, conduzido por Alexandre de Moraes. O pedido do capitão já havia sido negado por Edson Fachin, que também havia arquivado a ação. O próprio presidente passou a ser investigado suspeito de vazar informações de um inquérito da Polícia Federal sobre um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral.
Redes sociais
Também com destaque, Nunes Marques interrompeu o julgamento de um mandado de segurança que questionava se o presidente da República pode bloquear seguidores nas redes sociais. O único voto era o do relator, Marco Aurélio, que havia se manifestado contra essa possibilidade em razão do interesse público. A relatoria agora está nas mãos de André Mendonça, também indicado por Bolsonaro, que poderá, inclusive, mudar o entendimento de seu antecessor.
Armas
Com pedido de vista, o ministro interrompeu o julgamento de doze ações que questionam os decretos de Bolsonaro que facilitam o acesso a armas de fogo no país. Até então, Alexandre de Moraes, Rosa Weber e Edson Fachin já havia votado pela inconstitucionalidade dos atos presidenciais. De acordo com o regimento do STF, um ministro não tem prazo para devolver um processo que pediu mais tempo para analisar.
LGBTQIA+
O ministro retirou do Plenário Virtual o julgamento de uma ação para obrigar o Ministério da Saúde a garantir atendimento inclusivo a pessoas transexuais e travestis no SUS. O ministro Gilmar Mendes havia concedido uma liminar para garantir que este público receba serviços de saúde de acordo com suas necessidades, independentemente de como a pessoa está identificada em seus documentos. “Essa realidade burocrática acaba por se afigurar atentatória ao direito social à saúde”, escreveu Gilmar.
Meio ambiente
Com 4 a 0 para derrubar um decreto presidencial que alterou a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente, Nunes Marques adiou a conclusão do julgamento que corria no Plenário Virtual. O decreto reduziu de 93 para 23 os assentos com direito a voto no Conama, entre elas aquelas destinadas a entidades ambientalistas (reduzidas de 11 para 4).
Moro
Em março, quando o julgamento da suspeição do ex-juiz e hoje presidenciável Sergio Moro estava empatado em 2 a 2 na Segunda Turma do STF, Nunes Marques pediu vista e interrompeu a análise do Plenário por duas semanas. Na retomada, a ministra Cármen Lúcia alterou seu entendimento e, por maioria, o colegiado decidiu que Moro era suspeito para julgar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e anulou suas condenações contra o petista na Operação Lava-Jato. A decisão acabou por devolver os direitos políticos de Lula, que agora é pré-candidato (e favorito nas pesquisas) nas Eleições de 2022.