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Por José Benedito da Silva Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
A política e seus bastidores. Com Laísa Dall'Agnol, Victoria Bechara, Bruno Caniato, Valmar Hupsel Filho, Isabella Alonso Panho e Ramiro Brites. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

Justiça real é fim de organizações criminosas, diz viúva de Bruno Pereira

Beatriz Matos comemora conclusão do inquérito da Polícia Federal, mas diz que luta contra invasores de terras indígenas continua

Por Victoria Bechara Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 11 nov 2024, 15h06 - Publicado em 11 nov 2024, 10h31

A antropóloga Beatriz Matos, viúva do indigenista Bruno Pereira, comemorou a conclusão do inquérito sobre a morte do marido e do jornalista Dom Phillips, mas afirma que a justiça só será feita de fato com o desmantelamento de organizações criminosas que atuam em terras indígenas. 

A justiça real é a gente garantir que organizações criminosas não estejam mais atuando em terra indígena, garantir a segurança das comunidades e ​​das pessoas que trabalham ali”, declarou.

Na última segunda-feira, 4, mais de dois anos depois do crime, a Polícia Federal anunciou que concluiu o inquérito sobre o duplo homicídio. Dom e Bruno foram assassinados em 5 de junho de 2022, nas proximidades da Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, em decorrência das atividades do indigenista na defesa do território e dos povos originários da região. A investigação também revelou a atuação de uma organização criminosa ligada à pesca e caça predatórias, liderada pelo mandante do crime, Ruben Dario da Silva Villar, conhecido como Colômbia. 

Semanas antes da conclusão, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), onde Bruno trabalhava, criticou as mudanças feitas pela PF, como o afastamento do delegado responsável e a transferência da investigação para a superintendência do Amazonas — antes, o caso tramitava em Brasília. A entidade alega suposta interferência política, já que o inquérito avançava sobre o braço político do crime organizado no território.

Em entrevista a VEJA, Beatriz afirmou que a conclusão das investigações é uma boa notícia, diz que aguarda o posicionamento do Ministério Público Federal sobre o relatório final da PF e responsabiliza o ex-presidente da Funai, Marcelo Xavier. “Perseguição é um dos elementos que levou à sua morte”, afirma. A antropóloga ocupa o cargo de diretora de Departamento de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato do Ministério dos Povos Indígenas desde 2023. 

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A viúva do indigenista também criticou as declarações do senador Omar Aziz (PSD-AM) sobre o caso na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O parlamentar afirmou que os assassinatos não têm ligação com o narcotráfico e o crime organizado e ocorreram como forma de vingança por um “caboclo humilhado” por Bruno. Leia abaixo os principais trechos da entrevista. 

A Polícia Federal informou que concluiu o inquérito do caso do Bruno e do Dom na semana passada. Como você se sentiu com isso? É uma ótima notícia ver que as investigações estão andando e parecem caminhar para uma conclusão. A gente tem que aguardar o que vai ser feito realmente de denúncia pelo Ministério Público Federal e o que a Justiça vai aceitar. Na hora que recebi a notícia, fiquei bastante feliz, sobretudo porque houve até declarações do senador Omar Aziz dizendo que aquilo ali foi um caso particular, de uma briga, um desentendimento. Ele banalizou muito o caso, insinuou que uma atitude do Bruno levou o assassino a cometer o ato. Aquela declaração me deixou muito indignada, muito preocupada, porque é uma narrativa que banaliza o crime bárbaro que o Bruno e o Dom sofreram e, sobretudo, o motivo pelo qual eles sofreram isso, que é a defesa da Terra Indígena Vale do Javari. Aquele crime foi resultado de uma ação de retaliação dessa organização criminosa, que tem muito mais poder de fogo do que um ribeirinho local que se sentiu ofendido. Além de tudo isso, essa declaração também estava desmerecendo as investigações da PF, que já indicavam para o Colômbia como mandante, já indicavam a gravidade da organização criminosa. Então, a gente ficou bastante feliz, entendendo os esforços da PF para desmantelar esse grupo.

Recentemente a PF afastou o delegado responsável pelo caso em Brasília e transferiu o inquérito de volta para o Amazonas. A Univaja até soltou uma nota em que critica essa mudança e cita uma possível interferência política. O que achou do afastamento do delegado? Vê algum indício de interferência política na investigação? Meus advogados não identificaram nenhuma irregularidade nesse procedimento da PF. Em relação à interferência política, eu acho que, para afirmar, deveria ter outra investigação a respeito. Eu consultei os advogados, eles disseram que esse procedimento não é algo estranho, isso acontece, às vezes tem a ver com alguns dados da investigação que precisam ser tocados lá mais de perto pela superintendência local. 

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A Justiça decidiu deixar um dos réus, o Oseney, de fora do júri popular, por considerar que não há indícios suficientes da participação dele no crime. Considera que houve retrocesso? A assistência de acusação não concordou. Eu não consigo acompanhar detalhes da investigação, deixo isso para os meus advogados porque é bastante difícil para mim, mas os advogados também não concordaram com esse ponto. 

A investigação também chegou a indiciar o Marcelo Xavier, ex-presidente da Funai, mas a Justiça barrou a investigação. Ele deve ser responsabilizado? Falando como uma pessoa que sofreu a perda, mas que também trabalha com a questão, eu entendo que, sim, há responsabilidade. O Bruno foi duramente perseguido quando era funcionário da Funai. Essa perseguição foi feita dentro do órgão, pelo presidente na época. Meu marido foi removido do cargo de coordenador-geral de isolados de recente contato porque articulava operações de fiscalização. Ele virou alvo desses bandidos por isso também, assim como o Maxciel, que era outro servidor que também foi assassinado. Então, lá no Vale do Javari, uma organização criminosa sentiu que era possível fazer isso sem maiores retaliações. E eu entendo que isso tem a ver com a perseguição e a falta de apoio institucional que o Bruno teve. Tem também todos os absurdos que o Xavier falou depois do ocorrido. Ele atacou moralmente o Bruno, difamando a vítima de um assassinato brutal como esse. Então, eu acho que ele tinha que ser responsabilizado também pelas declarações posteriores. Essa perseguição é um dos elementos que levou à sua morte. Pra mim, isso tem conexão direta. Como provar isso tecnicamente é um trabalho para as autoridades. Mas se um presidente da Funai tem interesse em perseguir alguém que está combatendo crimes ambientais, como garimpo e pesca ilegal em terra indígena, isso também tem que ser investigado.

Dois anos depois do acontecido, o que você espera agora? Quais os próximos passos? Não é só a prisão dos executores e dos mandantes. A justiça real é a gente garantir que organizações criminosas não estejam mais atuando em terra indígena, garantir a segurança das comunidades e ​​das pessoas que trabalham ali. Esses invasores ameaçam profundamente a vida desses povos isolados. Essa era a principal causa da vida do Bruno. Isso é justiça. É para isso que ele trabalhava. 

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Você está, de certa forma, continuando esse trabalho à frente do Departamento de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato. Ainda há denúncias de ameaças contra servidores e indígenas na região do Vale do Javari? Desde que assumi a diretoria, trabalhamos bastante para garantir a proteção e a retirada de invasores de várias terras indígenas. No caso específico do Vale do Javari, a gente elaborou um plano de proteção em colaboração com a Univaja, com diversos órgãos de segurança e também de combate a ilícitos ambientais, como o Ibama. Estamos executando esse plano de proteção desde maio deste ano. Várias ações e operações estão acontecendo cotidianamente na Terra Indígena do Vale do Javari. Eu estar aqui é uma forma de dar continuidade ao trabalho dele e ao que a gente tinha como projeto juntos. A gente trabalhava junto e se conheceu lá no Vale do Javari. É bastante importante, é uma forma de não deixá-lo morrer.

O caso do Bruno e do Dom jogou luz sobre o crime organizado que cerca a Amazônia. Como isso reflete nos povos indígenas da região? É impressionante como esses crimes ambientais estão andando juntos hoje com o crime organizado internacional. Isso está muito claro na Terra Indígena Yanomami, mas no Javari também. As pessoas que executaram o Bruno e o Dom estão ligadas a organizações criminosas de tráfico de droga, tráfico internacional de madeira e à cadeia do ouro. Então, você tem uma conexão cada vez mais profunda entre crimes ambientais, invasão de terra indígena e organizações criminosas, inclusive com facções que vieram do Sudeste. Isso é uma coisa que impressionou muito a gente, quando vimos essa situação de emaranhamento de crime ambiental com o crime organizado internacional.  É muito complexo e difícil de combater, justamente porque esse pessoal tem poder de fogo e poder financeiro muito grandes.

Está em andamento no STF a mesa de conciliação do marco temporal. Enquanto isso, o Senado ameaça colocar em pauta a PEC que estabelece a medida. Como isso afeta os povos isolados? Essa tese do marco temporal é uma aberração jurídica, o próprio STF já declarou como inconstitucional. O ministério está fazendo esforço para garantir que essa tese não se sustente, algo que já deveria estar garantido, porque o STF já julgou. É uma tragédia porque não existe a menor condição de um povo indígena isolado comprovar a sua ocupação em um determinado lugar por um determinado tempo. O isolamento é uma opção política respeitada pelo Estado brasileiro. Esses povos demonstram muito claramente, através de estratégias específicas, que eles querem continuar com o seu modo de vida. Para você aferir qualquer coisa sobre a história daquele povo, você vai precisar violar esse direito, essa política do não contato.

 

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