Alvo de pressão de parlamentares pela liberação de recursos do Fundo Nacional da Saúde (FNS), a ministra Nísia Trindade (Saúde) não tem sido poupada de críticas nem mesmo por aliados, que veem na sua falta de traquejo político o maior entrave na relação do Executivo com o Legislativo, e tem a sua pasta reivindicada por parlamentares que apoiam ou negociam apoio ao governo Lula.
A ministra tornou-se um dos principais alvos do Centrão, que tem interesse em comandar a pasta, por dois motivos. Um deles é o tamanho do caixa que administra – com 181,6 bilhões de reais anuais, a Saúde é o terceiro maior orçamento entre os ministérios. O outro é a importância política da pasta, que maneja recursos para iniciativas que afetam diretamente a população (como investimentos em hospitais, medicamentos e equipamentos) e que tem ampla capilaridade pelo país, um ativo muito valioso para as eleições municipais de 2024. Metade dos 21 bilhões de reais previstos em emendas individuais de parlamentares para este ano está sob a tutela do ministério, por meio do Fundo Nacional de Saúde. O órgão concentra nada menos do que 2 549 emendas, que beneficiam 5 877 entidades em 5 087 municípios.
Há, no entanto, uma reclamação generalizada de parlamentares sobre a demora da pasta para liberar o dinheiro – passada a metade do ano, apenas 3,3 bilhões de reais foram pagos. Além disso, 20% do total das emendas estava bloqueado na pasta até o início da semana por “impedimentos técnicos”, como a falta de projetos ou de documentos ou problemas na indicação do destinatário, entraves que os parlamentares consideram apenas “burocráticos”.
Reportagem da edição de VEJA desta semana mostra como parlamentares da própria base governista defendem a reformulação do quadro de auxiliares. “Ela é um nome técnico excelente, mas ser ministro exige bom trabalho político também. Ela não recebe parlamentares, não está andando com as emendas”, diz reservadamente um deputado petista, que afirma que, por causa disso, os parlamentares estão enfrentando uma espécie de “crise de abstinência”. Esse tipo de argumento costuma ser sacado quando um ministro entra em processo de fritura.
O mesmo parlamentar lembra que não é incomum o ministério ser comandado por políticos, como Humberto Costa (no primeiro governo Lula), Alexandre Padilha (com Dilma Rousseff), Ricardo Barros (com Michel Temer) e Luiz Henrique Mandetta (com Bolsonaro). “Colocar um secretário executivo que seja ex-parlamentar ou ex-ministro da Saúde seria um bom começo, para cuidar da política. E aí ela pode andar com o Zé Gotinha para cima e para baixo, como o Mandetta fez”, sugere.
Na oposição, as críticas são mais contundentes. “É mais uma patacoada do governo. Ninguém está pedindo nada a mais do que já está previsto no Orçamento e [a demora] está atrapalhando muito. Fica difícil falar em diálogo dessa forma”, afirma um deputado do PP.
Apesar de demonstrarem preocupação com a liberação das emendas, correligionários veem com relativo otimismo o destrave iminente dos recursos. A leitura é a de que os impedimentos técnicos que bloqueiam os valores são relativos a fatores como “mudança de ação orçamentária”, falta de documentos e inconsistências no preenchimento do cadastro para objetos como equipamentos em saúde, diz Ricardo Barros (PP-PR). “Já tomamos as providências dentro do prazo, atendendo às demandas dos municípios para regularizar a situação”, afirma. “A mudança de ação orçamentária é normal. Estes recursos de custeio são fundamentais para a prestação de serviços à população nos atendimentos primários nas Unidades Básicas de Saúde”, diz o parlamentar.
De fato, o montante paralisado em emendas individuais no FNS devido a “impedimentos técnicos” tem sido desbloqueado — passou 2,1 bilhões de reais, no início da semana, para 383,4 milhões de reais até este sábado, 24, o que mostra boa vontade — ao menos técnica — do governo.
Por ora, Nísia tem publicamente afastado sinais de preocupação com uma eventual deposição do cargo, afirmando que jogos de pressão e críticas “fazem parte da política” e enfatizando sua capacidade técnica e trajetória junto ao SUS (Sistema Único de Saúde) e à frente da Fundação Oswaldo Cruz como fatores decisivos por sua permanência no comando da Saúde. Reforçou, inclusive, que sua indicação foi feita por Lula e que, de sua parte, seguirá estabelecendo “diálogo” com o Legislativo e com os partidos.