Entre os diversos fatores climáticos que contribuíram para as chuvas devastadoras no Rio Grande do Sul, um dos principais agravantes foi o aquecimento acelerado do mar, que atingiu níveis desproporcionais nas últimas duas décadas. É o que revela o estudo inédito State of the Ocean Report, publicado nesta segunda-feira, 3, pela Unesco (agência da ONU para Educação, Ciência e Cultura), que alerta sobre os riscos catastróficos da chamada “febre do oceano” para as zonas costeiras no Brasil e no mundo.
De acordo com o relatório, a taxa de aquecimento global dos oceanos dobrou em um período de 20 anos e continua a crescer de forma cada vez mais acelerada. Em média, os mares de todo o planeta esquentaram cerca de 0,8ºC na última década, sendo 0,4ºC somente entre 2023 e 2024, e a tendência é que atinjam novos recordes neste ano. As medições regionais desenham um cenário ainda mais drástico — no último mês de maio, o estudo indica que as águas do Atlântico Sul encontravam-se até 2ºC acima da temperatura esperada para o período.
Quais as consequências deste aquecimento? O pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e representante da Unesco no Brasil, Ronaldo Christofoletti, explica que a temperatura mais elevada dos oceanos favorece a evaporação e formação mais frequente de nuvens, além de influenciar o deslocamento das massas de ar pelos continentes — na prática, os mares mais quentes provocam chuvas cada vez mais intensas no país.
“O oceano cobre 70% do planeta e é o principal responsável pela regulação do clima — logo, um oceano ‘febril’ contribuiu para uma série de catástrofes climáticas e chuvas intensas nos últimos anos”, explica Christofoletti, citando as chuvas que atingiram o sul da Bahia, em 2021; Petrópolis e Recife, em 2022; Alagoas, Angra dos Reis (RJ) e o Litoral Norte paulista, em 2023; e o Rio Grande do Sul, em 2024. No total, estes episódios deixaram mais de 600 pessoas mortas em razão de enchentes, desabamentos e deslizamentos de terra.