Embalado pela popularidade da Lava Jato, que colocou na cadeia parte da elite política e empresarial do país, o então candidato a presidente Jair Bolsonaro tentou a todo custo se vender na campanha eleitoral de 2018 como o candidato da operação que descobriu um esquema imenso de corrupção na Petrobras.
Não faltaram elogios e promessas de apoio irrestrito à continuidade das investigações. “Os que hoje se colocam contra ou relativizam a Lava Jato estão também contra o Brasil e os brasileiros”. “Não permitiremos que acabem com a Lava Jato”. “Apoiar a Lava Jato é fundamental no combate à corrupção no Brasil”, foram algumas das frases publicadas por Bolsonaro entre agosto e novembro de 2018.
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Na época, Bolsonaro fazia questão de frisar que quem desejava o fim da Lava Jato era o PT, que tinha como primeiro candidato o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso e condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá – depois, impedido por esse motivo de disputar a eleição, ele foi substituído por Fernando Haddad. Em seu material de campanha, Bolsonaro pontuava o rumo da Justiça “sem interferências políticas” como uma das principais diferenças entre ele e o seu adversário petista. E criticava descaradamente o bloco de partidos conhecido como Centrão, que declarou apoio em massa ao candidato tucano Geraldo Alckmin.
O ápice do “apoio incondicional” à operação veio em novembro de 2018, quando, após a vitória nas urnas, Bolsonaro nomeou o ex-juiz Sergio Moro como ministro da Justiça. Nas palavras do próprio presidente, eles concordavam “em 100% de tudo”, Moro teria “ampla liberdade” para compor o seu segundo escalão e, se antes ele “pescava com varinha, agora pescaria com rede de arrastão de 500 metros”.
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No início de 2019, já como presidente, Bolsonaro continuou fazendo menções honrosas à operação. Vira e mexe, anunciava em suas páginas uma fase nova da força-tarefa de Curitiba, que hoje está na 76ª, e chegou até a prometer uma Lava Jato no Ministério da Educação (MEC), que depois ninguém mais ouviu falar.
O casamento entre o bolsonarismo e a lavajatismo começou a passar por turbulências em julho, quando o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli – o mesmo que hoje recebe abraços efusivos de Bolsonaro -, decidiu de forma liminar e monocrática restringir o uso de informações levantadas pela Coaf (orgão de inteligência da Receita) em investigações em curso, sem prévia autorização judicial.
A decisão atendeu a um pedido específico da defesa do primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que era investigado no caso das rachadinhas, mas por tabela paralisou uma série de apurações por corrupção no país todo. Em setembro, viria o segundo grande baque para a relação que já vinha conturbada – a nomeação de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República, um nome de fora da tradicional lista tríplice e que tinha objeções a certos procedimentos das forças-tarefas da Lava Jato.
Sergio Moro
O divórcio, no entanto, só se concretizou mesmo com a saída explosiva de Sergio Moro do Ministério da Justiça, em abril, que deixou o posto criticando o ex-chefe por falta de autonomia na pasta e por tentativa de interferência na Polícia Federal.
A partir de então, Bolsonaro parou de falar sobre a Lava Jato até que o assunto voltou à tona agora no momento em que ele indicou ao Supremo o desembargador Kassio Nunes, nome avalizado por seu filho Flávio e por críticos conhecidos da Lava Jato, como o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, e os ministros do STF Gilmar Mendes e Dias Toffoli. O presidente também abandonou a retórica de anti-establishment e está numa fase de lua de mel com líderes do Centrão, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e outros que foram ou são investigados pela operação. Em visita a cidades do Piauí, apoiadores de Nogueira receberam o presidente aos gritos de “fim da Lava Jato”.
Nesse novo contexto – bem diferente do da eleição de 2018 -, o presidente aproveitou uma cerimônia no Palácio do Planalto nesta quarta-feira, dia 7, para dizer que ele “acabou” com a Lava Jato, “porque não tem mais corrupção no governo”. “Eu sei que isso não é virtude, é obrigação”, completou. O tom pode ter sido irônico, mas a fala foi um recado à sua base lavajatista que passou a criticá-lo pela indicação de Kassio Nunes.
Força de expressão ou não, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná, que já havia entrado em rota de colisão com Augusto Aras, não gostou nada da declaração do presidente. Além de lamentar a fala, afirmaram que ela indica o “desconhecimento” de Bolsonaro sobre a operação e a “ausência de efetivo comprometimento dos mecanismos de combate à corrupção”. Alguns procuradores viram na ação um movimento político para enfraquecer possíveis planos eleitorais de Sergio Moro, tendo em vista as eleições de 2022.