Cinco desastres ambientais brasileiros que foram parar na Justiça europeia
Após corte do Reino Unido aceitar ação envolvendo o rompimento da barragem de Mariana, ao menos outros quatro processos tentam seguir o mesmo caminho
A abertura de uma ação contra a mineradora BHP Billiton pelo rompimento da barragem de Mariana em um tribunal do Reino Unido, na sexta-feira, 8, colocou o Brasil em destaque num grupo restrito de países: aqueles em que a população, quando é atingida por desastres ambientais provocados pela ação de alguma empresa multinacional, busca reparação na Justiça estrangeira. Há poucos casos como esse, mas eles são cada vez mais numerosos principalmente em tribunais europeus, por causa de regras adotadas por países membros da União Europeia.
O processo de Mariana foi o primeiro caso brasileiro a parar nas cortes europeias. Após a ação ser recusada na primeira instância, a reviravolta no Tribunal de Apelação abre um precedente importante para ao menos quatro outros casos de crimes ambientais no Brasil. O mesmo escritório que representa mais de 200.000 vítimas contra a BHP — entre moradores das cidades atingidas, índios krenak, 25 prefeituras, mais de 500 empresas, seis autarquias e catorze instituições religiosas –, o PGMBM, também entrou com ações contra empresas envolvidas na tragédia de Brumadinho, o derramamento de lama tóxica da mineração de alumínio em Barcarena, no Pará, e no afundamento de solo em bairros de Maceió por causa da mineração de sal-gema.
Os casos estão sendo analisados em tribunais da Holanda e da Alemanha. Em 2021, uma coalizão de entidades brasileiras, colombianas e francesas também entrou com uma ação contra a gigante do varejo Casino em um tribunal na França. Neste caso, o processo foi protocolado após uma investigação da ONG Envol Vert mostrar que fornecedores da multinacional compravam, com regularidade, carne de gado criado em áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia e no Cerrado.
São poucos os casos de danos ambientais em países subdesenvolvidos que chegam às cortes europeias, e menos ainda os que são bem-sucedidos na tentativa de fazer com que os tribunais analisem os pedidos das vítimas. Segundo um relatório da Coalizão Europeia por Justiça Corporativa (ECCJ, na sigla em inglês), publicado em setembro do ano passado, há casos conhecidos que ocorreram em apenas sete países: Nigéria, Paquistão, Chile, República Democrática do Congo, Peru, Brasil e Colômbia.
A primeira decisão em que uma corte europeia aceitou julgar um desastre ambiental em território estrangeiro tem menos de sete anos. O caso, que ficou conhecido como Shell-Nigeria, teve início com quatro pescadores nigerianos que, em 2008, entraram com uma ação contra a petroleira Royal Dutch Shell por uma série de vazamentos de óleo no delta do rio Níger, onde a empresa opera há mais de meio século. O processo foi protocolado em um tribunal da Holanda, onde a empresa tinha uma de suas sedes, e também sofreu derrotas na primeira instância. Apenas em 2015 uma corte de apelações reconheceu que não se poderia excluir a hipótese de que a empresa-sede fosse responsável pelos danos ambientais no rio, embora a extração de petróleo fosse operada por uma empresa local da qual a multinacional era sócia. A maior parte dos casos semelhantes na Justiça europeia ainda está em análise.
Uma das ferramentas legais que permitem que esses processos sejam abertos é o Tratado de Roma II, da União Europeia, que também estabelece quais leis devem valer para julgar as empresas. No caso do Reino Unido, apesar de o país ter deixado a união no fim de 2020, as regras ainda valiam quando os advogados deram entrada do caso de Mariana nos tribunais. Agora, há ao menos dois precedentes em que a Justiça do país aceitou julgar danos ambientais no exterior: além do caso brasileiro, em 2021 a Suprema Corte britânica também aceitou julgar a responsabilidade da Royal Dutch Shell em vazamentos de petróleo na Nigéria, em um processo semelhante ao julgado nas cortes holandesas.
Para casos que envolvem empresas de outros lugares do mundo, faltam precedentes de casos bem-sucedidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, os critérios para abrir ou não esse tipo de ação ficam quase totalmente a critério do juiz. As circunstâncias fazem com que muitos casos não sejam aceitos por lá: eles envolvem situações que ocorreram fora do território do país, o idioma dos documentos que servem como prova é estrangeiro e quase sempre há processos que já foram abertos previamente no país de origem, o que muitas vezes serve como argumento para não abrir uma nova ação.
“(O caso de Mariana) é um marco histórico para todo e qualquer grupo de pessoas da América Latina que queira litigar na Europa”, diz o advogado Pedro Martins, sócio da PGMBM que faz parte do grupo que levou o caso para as cortes britânicas. Martins chegou a atuar como mediador entre a Fundação Renova — criada pelas mineradores responsáveis pela barragem que colapsou para administrar as reparações — e os atingidos. Com críticas ao modelo de compensação às vítimas, ele se mudou para o Reino Unido para estudar e acabou conhecendo advogados brasileiros e um inglês, Tom Goodhead, que estava interessado em entrar no caso pelo outro lado do Atlântico. “A América Latina tem raízes comuns nesse problema. Os países têm riquezas naturais e são todos ex-colônias que, de alguma forma, foram explorados: durante algum tempo foram explorados de forma indiscriminada, mas hoje são explorados dentro de um campo com regras. Isso tem de ocorrer porque a exploração traz benefícios para todo mundo, mas de forma responsável.”