Bolsonaro contesta, mas lei permite aborto com sete meses de gestação
Presidente e seguidores criticam procedimento feito em criança vítima de estupro em SC, que estava grávida há 29 semanas, mas legislação não fixa prazo

Desde que o Ministério Público Federal recomendou a realização do aborto em uma menina de 11 anos que foi estuprada em Santa Catarina, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados iniciaram um movimento nas redes sociais para criticar a decisão. Segundo o MPF, o procedimento médico foi realizado na quinta-feira, 23, pelo Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago, de Florianópolis.
Bolsonaro publicou uma série de mensagens contra o aborto – que classificou como uma “barbárie” – e afirmou que acionou o Ministério da Justiça e o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos para apurar o caso. Ele também compartilhou a foto de um recém-nascido com 25 semanas de gestação. “O bebê, que é mais vítima dessa tragédia, tinha 29”, escreveu. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o filho Zero Três, fez coro e classificou o ocorrido como um “assassinato”.
Se a menina de Santa Catarina esperou 29 semanas de gravidez para abortar, foi por culpa do atraso do estado. Segundo a reportagem publicada pelo site The Intercept Brasil, a mãe da criança a levou ao hospital para fazer o procedimento dois dias após descobrir a gravidez, quando a menina estava com 22 semanas, mas a equipe médica se recusou.
Uma norma técnica do Ministério da Saúde não recomenda o aborto legal – em caso de estupro ou de risco de vida da mãe – após esse período. Mas trata-se apenas de uma recomendação. O que vale, na verdade, é a lei. A previsão para o aborto legal está no artigo 128 do Código Penal, que prevê duas situações: quando não há outro meio de salvar a vida da gestante e quando a gravidez for resultante de estupro – não há nenhuma referência ao tempo de gestação.
O Código Penal prevê que “não se pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. Também não é necessária qualquer autorização judicial ou comunicação policial.
A investigação aponta que o suspeito de estuprar a menina teria sido um menor, de 13 anos. Independente do consentimento, é considerado estupro de vulnerável toda conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 anos, de acordo com o artigo 217-A do Código Penal.
“A lei não traz nenhum limite de idade gestacional. A norma técnica do Ministério da Saúde é uma diretriz, uma recomendação para as unidades de saúde. Mas ela não é lei. E se a lei não fala em limitação da idade gestacional, a mulher tem o direito de interromper. É dever do poder público e dos serviços de saúde fazer valer esse direito”, afirma Anne Teive Auras, defensora pública do Estado de Santa Catarina e Coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres do órgão. O mesmo argumento foi utilizado pelo Ministério Público Federal.
Auras diz ainda que os direitos da menina foram violados tanto pelo sistema de saúde, que se negou a realizar o procedimento em um primeiro momento, quanto pela Justiça – a juíza Joana Ribeiro Zimmer tentou induzir a criança a desistir do processo. “Também não foi observado o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal.” Para a defensora, há uma distorção no discurso do presidente. “Realmente tem muita coisa a ser investigada e apurada nesse caso, mas de violações aos direitos da menina”, acrescenta.