Apesar da derrota no Supremo Tribunal Federal, a discussão sobre a fixação de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas deve ganhar uma sobrevida no Senado. Na Casa tramita um projeto de lei, o PL 2903/2023, que prevê exatamente o que o STF acabou de formar maioria para derrubar: que um território só poderá ser demarcado se já estivesse ocupado por povos originários em outubro de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição.
Relator do PL, o senador Marcos Rogério (PL-RO) disse que a posição do Supremo não vai alterar a tramitação da matéria no Legislativo. “Embora a decisão do STF tenha repercussão geral reconhecida, ela não gera efeito vinculante para o Poder Legislativo”, disse. Para ele, o Parlamento pode legislar sobre esse assunto, seja na legislação ordinária ou mesmo na alteração do texto constitucional.
O efeito da aprovação de uma lei pelo Legislativo, no entanto, é motivo de dúvida. Marcos Rogério tem insistido na tramitação do projeto, mesmo alertado por senadores da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) de que o texto pode se tornar inócuo. Ele leu, na quarta-feira, seu relatório , em que se manifesta favorável à constitucionalidade do texto.
Durante a sessão, a senadora Eliziane Gama fez o alerta de que o projeto, se aprovado, será questionado judicialmente. “Uma lei que poderá ser aprovada nesta Casa, não há dúvida nenhuma que ela não deve vigorar, porque uma ação direta de inconstitucionalidade será impetrada, sem nenhuma dúvida, pelos órgãos que trabalham a questão ambiental brasileira. Ou seja, nós poderemos estar votando um projeto que vai cair por vício de inconstitucionalidade no STF”, disse. A discussão foi adiada após pedidos de vista coletivos, e remarcada para a próxima semana.
Segundo Marcos Rogério, o posicionamento do Supremo gera insegurança para produtores rurais. “Há uma inquietação muito grande e um clima de preocupação no Brasil a partir dessa decisão. Cabe ao parlamento oferecer um conjunto normativo que devolva a segurança para quem está no campo produzindo”, disse. O senador nada comentou sobre o direito dos indígenas.
A discussão deve prosperar na Casa, que tem maioria conservadora e de direita e forte influência da bancada ruralista, que defende o marco temporal. “Não podemos abrir mão da nossa prerrogativa de legislar. Senão, que fechemos o Congresso de uma vez e aguardemos que todas as questões sejam resolvidas pelo STF”, disse o senador Sergio Moro (União Brasil-PR). “Independentemente do Supremo, é essa lei que vai estabelecer os critérios para possíveis interpretações sobre novas terras indígenas”, declarou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Julgamento
O STF encerrou o julgamento do marco temporal nesta quinta-feira, 21, com placar de 9 a 2 votos pela rejeição da tese que fixa a data para demarcações de terra. Votaram contra o marco os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Também já haviam se posicionado de forma contrária o relator do processo, Edson Fachin, e os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. André Mendonça e Kassio Nunes Marques, ambos indicados por Jair Bolsonaro à Corte, foram a favor.
Os magistrados também precisam entrar em consenso sobre a possibilidade de que proprietários de áreas dentro de terras indígenas, adquiridas de boa-fé, sejam indenizados pela União. Essa hipótese foi sugerida por Moraes.