Em setembro de 2020, diante de rumores de que se cogitava promover uma moratória no pagamento de precatórios, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, tranquilizou os detentores desses direitos. Para ele, precatório é “dívida líquida e certa, transitada em julgado”, acrescentando que jamais “botaria em risco a liquidação de dívida do governo brasileiro”.
Menos de um ano depois, todavia, em julho de 2021, Guedes patrocinou a chamada “PEC do Calote”, que deu origem às emendas constitucionais 113 e 114. Instituiu-se a moratória das condenações judiciais impostas pelo Judiciário à União, a despeito da opinião unânime de juristas e economistas, incluindo este escriba, no sentido de que o pagamento de precatórios não é faculdade, mas obrigação do Estado.
A medida criou uma bola de neve representada pela soma de valores não resgatados, que podem chegar a centenas de bilhões de reais em 2026, ano em que cessa a moratória e se prevê o pagamento da quantia acumulada no período. Trata-se de uma bomba-relógio que pode explodir em plena campanha eleitoral da disputa pela Presidência da República.
Esse problema poderia não existir caso o governo tivesse ouvido a opinião de parlamentares, juristas e economistas que defendiam excluir os precatórios do teto de gastos então em vigor. A justificativa era que se tratava de despesa imprevisível, merecendo, pois, o tratamento que o teto concedia a itens semelhantes, como capitalização de empresas estatais e despesas de responsabilidade da Justiça Eleitoral. Além disso, a moratória amesquinhava a autoridade do Poder Judiciário, enquanto colocava em dúvida a vontade do Tesouro de honrar suas obrigações.
Agora, o novo arcabouço fiscal, prestes a ser aprovado na Câmara, trouxe uma novidade. Os precatórios não serão computados no cálculo do resultado primário quando (1) pagos com deságio de 40%, (2) utilizados para fins de compensação com débitos de estados e municípios contraídos junto à União, (3) entregues como moeda de troca para pagamento de outorgas de concessões, dívidas fiscais, aquisição de imóveis públicos, etc., (4) que superem 15% do valor total de precatórios expedidos em determinado exercício e (5) decorrentes da recomposição do Fundef/Fundeb.
Tais precatórios, no entanto, são de mesma natureza dos que permanecerão em moratória, o que justificaria também eliminá-los do cálculo do resultado primário. Na verdade, nenhum dos dois tipos deveria estar sujeito ao limite de despesas previsto no novo arcabouço, pelas razões aqui expostas.
É hora de desarmar essa bomba em que se transformou a moratória dos precatórios. Caso o governo e o Congresso não aceitem excluí-los do limite de despesa, caberia aplicar o remédio jurídico eficaz já adotado pelo Supremo Tribunal (STF) em relação a duas outras emendas constitucionais semelhantes, as quais foram consideradas inconstitucionais. O STF deveria reafirmar essa posição histórica.