No momento em que escrevi este texto, Pedro Castillo era o presidente eleito do Peru. Radical de esquerda, evangélico, ele é de um partido marxista, uma contradição. Prometeu um Estado interventor, incluindo estatizações e até expropriações. Como disse o sociólogo peruano Albino Ruiz Lazo, “Castillo não sabe quanto de marxismo prega”.
Castillo não disporá de maioria no Congresso. Não terá, assim, apoio para a prometida reforma da Constituição, visando a impor um regime socialista ou medidas menos violentas. Difícil dar certo sem uma guinada rumo a políticas responsáveis. Sua eleição (por ora) foi festejada pelos presidentes do PT e do PDT, Gleisi Hofmann e Carlos Lupi, respectivamente.
A esquerda latino-americana se entusiasmou com o comunismo soviético, que parecia dar certo nos anos 1930, nos tempos em que o Ocidente sofria as adversidades da Grande Depressão. Sonhava remir a pobreza com anticapitalismo e transformações conducentes a uma sociedade igualitária (e certamente totalitária). Nas décadas de 70 e 80, Cuba era o paradigma.
O fracasso cubano e de experiências menos radicais, como as do chileno Salvador Allende ou do peronismo que ainda infelicita a Argentina, nunca abalou tais convicções. Essa esquerda não percebeu o insucesso da experiência soviética nos anos 1980, abandonada em 1991 em razão basicamente da ausência de estímulos à inovação.
“Os esquerdistas latino-americanos defendem políticas que geram inflação e podem agravar os níveis de pobreza”
Aqui, essa esquerda ignora a restrição orçamentária, isto é, a existência de limites ao gasto público. Nas Páginas Amarelas de VEJA (26/5/2021), Guilherme Boulos, do PSOL, defendeu a ruptura do teto de gastos — a âncora fiscal que impede a volta de uma funesta inflação — com o objetivo de ampliar investimentos públicos e gastos do SUS. Lula afirmou, em mensagem no Twitter, que revogará o teto caso seja eleito, esquecendo que a responsabilidade fiscal foi crucial para o êxito de seu primeiro mandato.
Visões semelhantes sumiram da esquerda ocidental da Europa a partir dos anos 1960. Na Alemanha, o Partido Social Democrata afastou-se de ideias radicais e firmou-se como promotor de reformas e políticas econômicas responsáveis. Na Espanha e no Reino Unido, o Partido Socialista Operário Espanhol e o Partido Trabalhista, respectivamente, revogaram artigos de seus estatutos que defendiam a propriedade estatal dos meios de produção. Na Itália, o Partido Comunista se modernizou e mudou de nome. Essas e outras agremiações da esquerda europeia jamais desprezaram o compromisso com avanços sociais, principalmente a redução de desigualdades. Abraçaram o binômio constituído de economia de mercado e democracia.
A velha esquerda latino-americana não consegue modernizar-se. Continua prisioneira de propostas que o tempo se encarregou de enterrar. Defende certas políticas públicas que refreiam ganhos de produtividade, acarretam a estagnação ou o baixo crescimento da economia, geram inflação e podem agravar os níveis de pobreza e da deplorável concentração da renda. Triste.
Publicado em VEJA de 7 de julho de 2021, edição nº 2745