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Vamos falar de direitos

A reconstrução mamária pós câncer é um direito de todas as mulheres. Infelizmente, ainda é difícil de ser alcançado pela rede pública

Por Marianne Pinotti
26 mar 2018, 13h15
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  • Parabéns para nós mulheres! Quando chega esta época do ano fico um tanto saudosista, pois lembro-me de meu pai, dr. Pinotti, e de suas lutas. Quantas vezes o vi escrevendo um artigo e oferecendo entrevistas por razão do dia internacional da mulher. Ele era incansável, possuía uma capacidade de indignação que tento imitar como regra de vida. Ele defendeu as mulheres durante toda sua trajetória profissional, seja como médico, professor ou político. Elas sempre foram a razão de sua força.

    Reconstrução mamária é um direito renegado

    Por essa e por tantas outras razões eu não poderia deixar de usar este espaço e me indignar, como dr. Pinotti. Decidi falar de direitos. Na verdade, da falta de garantia de direitos em uma área sensível como é a oncologia, mais especificamente a reconstrução mamária após a retirada da mama em casos de câncer, que é um direito garantido inclusive por lei no Brasil (lei Lei nº 12.802, de 24 de abril de 2013).

    Infelizmente, não é isso que acontece na maioria dos casos. De acordo com um levantamento da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), com base em dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS), apenas 20% das mulheres conseguem fazer a reconstrução na mama após a mutilação em decorrência do tratamento do câncer.

    Consequências físicas e emocionais

    Ou seja, a enorme maioria das vítimas desta doença e que precisa retirar a mama fica mutilada, com uma enorme cicatriz no peito, assimétrica, com uma desconfiguração corporal que causa desequilíbrio físico e dores na coluna. Além disso, do ponto de vista emocional, posso atestar com toda a experiência que tenho no atendimento destes casos, que a mulher se sente menos feminina, permanece triste, angustiada e deprimida, o que impacta diretamente suas possibilidades de cura.

    Em 1992, quando ainda era estudante de medicina, assisti à defesa de tese de doutorado do professor Henrique Brenelli, na Unicamp, a qual meu pai foi orientador e cujo título era “Influência da reconstrução mamária imediata com retalho miocutâneo abdominal no prognóstico e na qualidade de vida”.

    Brenelli estudou 153 mulheres divididas em dois grupos, reconstruídas ou não, avaliou a depressão, ansiedade e autoestima, fantasias de morte, noção do esquema corporal, sexualidade e qualidade de vida em geral. Acompanhou também estas mulheres por vários anos e concluiu que o grupo de reconstrução teve um prognóstico discretamente melhor, e que todos os parâmetros de qualidade de vida avaliados foram melhores no grupo de pacientes reconstruídas.

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    Justificativas esfarrapadas

    Várias são as razões para não realizar a cirurgia reparadora colocadas por alguns especialistas, planos de saúde e governo. As explicações são sempre de que há poucos médicos e equipes preparadas, que as agendas estão lotadas e que há necessidade de priorizar os casos de câncer – como se perder a mama fosse só uma questão estética e menos importante.

    Falta também vontade política. Recentemente, o Proadi-SUS, programa do Ministério da Saúde, descontinuou projetos de oncologia mamária promovidos por importantes instituições médicas, como os hospitais Albert Einstein, Sírio Libanês, e Oswaldo Cruz, cujas pacientes de câncer de mama recebiam atendimento gratuito. A alegação do governo federal é que serão priorizados projetos que atendam apenas às demandas nacionais do SUS. Ou seja, para o governo, a preservação estética parece não fazer parte do tratamento do câncer de mama. Isso é um absurdo. A reconstrução mamária não é luxo, é um direito previsto em lei e precisa ser assegurado.

    O Ministério da Saúde se defende alegando que o número de cirurgias de reconstrução mamária cresceu 76,9%, entre 2010 e 2017, quando foram realizadas cerca de 3.700 cirurgias no Brasil. Informa também que, neste período, os investimentos federais passaram de 2,4 milhões de reais para 9,5 milhões de reais. Mas precisamos avançar muito mais.

    Exemplos a seguir

    Há muitos exemplos de experiências exitosas que devem ser observadas e seguidas. Comecei a trabalhar no Hospital Pérola Byington, em 1994 e, naquela época, já oferecíamos reconstrução imediata da mama para todas as mulheres que desejavam. Estou me referindo a um protocolo realizado há mais de vinte anos, quando ainda não haviam as próteses e técnicas modernas que existem hoje.

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    Usávamos tecido abdominal ou das costas para fazer a reparação da mama e abríamos agendas aos sábados e nos períodos noturnos para que pudéssemos garantir este direito às nossas pacientes. Tenho orgulho de termos sido os pioneiros, mas me causa indignação o fato de ainda estarmos discutindo se a cirurgia reparadora deve ou não ser feita quando deveríamos estar debatendo que tipo de reconstrução as mulheres preferem, ou se gostariam de aproveitar a cirurgia para tratamento do câncer para melhorar suas mamas esteticamente. Saudade de você, dr. Pinotti. Viva as mulheres!

     

    Dra. Marianne Pinotti

     

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    Adriana Vilarinho, dermatologista
    Ana Claudia Arantes, geriatra
    Antonio Carlos do Nascimento, endocrinologista
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