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Uma conversa com um paciente terminal

A geriatra Ana Claudia Arantes, do Hospital Israelita Albert Einstein, relata a importância de uma conversa olhos nos olhos com um paciente terminal

Por Ana Claudia Quintana Arantes
2 jun 2017, 12h54
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  • Há poucos dias tive uma conversa daquelas do nível inesquecível. Um dos meus mais queridos pacientes, internado por complicações de um câncer de intestino já em fase bem avançada e sem possibilidade de controle ou cura, entrou numa crise intensa de ansiedade, dificultando muito seu repouso e o de sua família. Cheguei no quarto de hospital e me aproximei da cama onde ele, de olhos fechados, permanecia inquieto. Toquei sua mão, seus olhos encontraram os meus, ele sorriu e retribui.

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    – Do que você tem tanto medo?
    Eu estou morrendo, Ana.

    Pude olhar em seus olhos e encontrar a profundidade de um abismo, de seu medo. Poucos tolerariam manter o olhar por mais de um instante sequer, e certamente ele poderia ter ouvido de muita gente que não havia com o que se preocupar, que ele iria melhorar e voltaria para a vida que tanto desejou que voltasse. Mas fiz diferente. Segurei firme sua mão, mergulhei fundo na sua pupila. Disse que sim, que poderia ter razão em sentir-se morrendo. Ouvi então a descrição de todos os seus medos e fantasmas daqueles dias desleais. Fiz silêncio, mas mantive meus olhos conversando com os dele. Sorri novamente enquanto ele tomava coragem de continuar.

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    Você não tem medo? Perguntou como uma criança.
    – Não, não tenho medo. Eu teria medo se não soubesse o que fazer, mas eu sei.
    – Então, por favor, me deixe morrer em casa, perto das coisas e das pessoas que amo, que me são familiares, que são minha vida… Em casa eu sei que me sinto seguro.

    Então compartilhei sobre meus próprios temores de que em casa poderíamos correr o risco de não ter recursos tão eficazes e condutas rápidas caso apresentasse algum sofrimento intenso. Pedi alguns dias a fim de confirmar se esta segurança estaria ao nosso alcance. E conversamos sobre alinhar as expectativas da família em relação a este cuidado tão complexo em casa, sabendo que, muitas vezes, numa tentativa heroica de poupar o ente querido, os familiares e amigos podem acabar tomando conta da situação sem respeitar a autonomia da pessoa e esta se torna apenas um grande problema a ser resolvido.

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    Planejamos a alta para casa dali a dois dias. Conhecendo o paciente, creio que vai ter festa na chegada em casa. Ele é uma pessoa especialmente forte, muito alegre e determinado, mas, ao mesmo tempo, muito frágil e sensível por causa de tanto sofrimento em sua história de vida. Sorrindo com o coração ele se despediu hoje no hospital:

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    – Você não vai me abandonar, né?
    – O que você acha? Perguntei com um sorriso dando duas voltas na minha cara.
    – Eu acho que não tem jeito de você me largar, eu te faço feliz, né?

    E me abraçou tão demoradamente que ainda sinto os braços dele enlaçados nos meus ombros. Desejando aqui que seu tempo seja apenas pleno de Amor.

     

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    (Ricardo Matsukawa/VEJA)

     

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