A transfusão de sangue é um dos cinco procedimentos médicos mais realizados em todo o mundo. A primeira transfusão de sangue ocorreu no século XVII, e no início do século XX, após a descoberta do sistema ABO, que deu origem ao conhecimento da tipagem sanguínea, a transfusão passou a ter importância clínica no tratamento de milhares de pacientes.
Nas guerras mundiais, milhares de vidas foram salvas com a transfusão. Entretanto, desde então, ao mesmo tempo em que importantes efeitos benéficos da transfusão são conhecidos, somam-se a elas numerosos efeitos adversos que podem resultar em complicações incluindo morte.
Possíveis complicações associadas a transfusão
Dentre as complicações relacionadas à transfusão, destacam-se a transmissão de doenças infecciosas como o HIV (vírus da imunodeficiência humana), hepatites B e C, infecções bacterianas, doenças por príons, e outras doenças emergentes como a febre chikungunya e protozooses, as complicações inflamatórias como a sepse (infecção generalizada), a imunodepressão e reativação de doenças autoimunes, e reações sistêmicas, como o edema pulmonar por inflamação ou sobrecarga hídrica e as reações transfusionais.
Nos últimos anos, avanços na tecnologia dos bancos de sangue e na qualidade dos serviços hospitalares, resultaram em considerável melhora na segurança do processo da transfusão. Atualmente, é menor o risco de erros transfusionais por incompatibilidade ABO, assim como são descritas taxas progressivamente reduzidas de transmissão de infecções.
Prós e contras devem ser analisados
Entretanto, chama a atenção as elevadas taxas de transfusão de sangue, muitas vezes sem que sejam considerados os potenciais benefícios frente aos riscos de eventos adversos. Por exemplo, a transfusão de hemácias é realizada ainda em 60% dos pacientes submetidos a cirurgia cardíaca em todo o mundo, em 50% dos pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva e em 20% de todos os pacientes internados em hospitais gerais.
Possivelmente, um grande número destas transfusões de sangue poderia ser evitada se análise mais criteriosa fosse feita no sentido de avaliar individualmente as reais necessidades dos pacientes frente aos riscos advindos do procedimento.
Critérios a serem considerados
Em 1942, um famoso anestesiologista chamado John Lundy, da Mayo Clinic, descreveu que o critério para se transfundir um paciente deveria ser o nível de hemoglobina em torno de 10 g/dL. Mais de seis décadas se passaram, a medicina evoluiu, e ainda, boa parte das indicações de transfusão deve-se à essa antiga recomendação.
Felizmente, nos últimos 10 anos, estudos científicos importantes, randomizados e controlados, questionaram a prática transfusional, demonstrando a eficácia de um tratamento mais restritivo de transfusão. O Brasil foi pioneiro ao demonstrar em uma pesquisa realizada no InCor, publicada no periódico JAMA (Journal of the American Association), que em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, restringir transfusões é seguro e eficaz.
Desde então, implementamos educação em medicina transfusional e protocolos de tratamento e de avaliação dos pacientes, e houve uma redução significante do número de transfusões e de seus efeitos adversos. Um outro ponto importante a ser considerado é a detecção da anemia pré-operatória, que deve ser tratada adequadamente, visando reduzir a necessidade de transfusão. Outro avanço na área que merece destaque são os produtos da coagulação, que devem estar disponíveis nos hospitais para tratamento do sangramento, minimizando a exposição à transfusão.
Esperamos que a evolução da medicina traga, nos próximos anos, maior desenvolvimento e tecnologia na área da medicina transfusional, e que em concomitância, seja intensificado o ensino na área e reafirmado o compromisso dos profissionais de saúde em reduzir as taxas de transfusão de uma maneira responsável e acadêmica, visando melhores resultados para a vida dos pacientes.
Referências Bibliográficas
Hajjar LA et al. JAMA. 2010;304(14):1559-1667.
Hajjar LA et al. Curr Opin in Anesthesiology. 2015;28(1):81-88.
Almeida JP, Hajjar LA. Anesthesiology. 2015;122(1):29-38.
Quem faz Letra de Médico
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