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Síndrome de Down: uma condição multifatorial?

Todo dia 21/3, em alusão aos três cromossomos 21, é celebrado o Dia Internacional da Síndrome de Down

Por Salmo Raskin
Atualizado em 4 jun 2024, 18h32 - Publicado em 21 mar 2017, 12h00
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  • Se você só conhece uma condição clínica de causa genética, garanto que é a Síndrome de Down. Quase um sinônimo da palavra “genética”, tornou-se melhor conhecida a partir de 1862 quando o médico britânico John Langdon Haydon Down a caracterizou em detalhes. Mas foi só em 1958 que o médico pediatra Jérôme Jean Louis Marie Lejeune descobriu que a causa é o excesso de material genético do cromossomo 21, que, quando em dose tripla (ao invés de dupla), traz como consequência um conjunto de sinais e sintomas muito amplo e de intensidade variada.

    Entre os sinais, destaca-se a inabilidade intelectual e a malformação cardíaca. A inabilidade intelectual muito raramente é severa, em geral leve (QI 50-70) a moderada (QI 35-50). Já os problemas cardíacos afetam metade dos indivíduos, e, quando graves, são a principal causa de morbidade e mortalidade.

    Um dos motivos pelos quais a Síndrome é muito conhecida é pela sua frequência, que é de cerca de um em cada 700 nascimentos, tornado-a uma das mais prevalentes condições de causa genética. Até os dias atuais, o fator mais importante que influencia o risco de ter um filho com Síndrome de Down é a idade materna ao gestar: Se a gestante tem 20 anos o risco é próximo de um em cada 2.000 nascimentos, com 27 anos próximo de um em 1.000, com 40 anos um em 100 e, quando ocorre uma gravidez com 50 anos, cerca de uma em cada 10 crianças nasce com Síndrome de Down.

    Com a crescente participação das mulheres em todos os setores da sociedade, cada vez mais elas postergam a gestação. E assim sendo, não só as pessoas com Síndrome de Down, mas também os casais que tiveram um filho com a Síndrome, ou aqueles que pretendem engravidar (ou já estão grávidos) e acreditam que estejam em alto risco, estão entre os principais frequentadores dos consultórios de médicos geneticistas a procura de Aconselhamento Genético.

    Grandes avanços médicos, associados a progressos importantes na inclusão dos portadores da Síndrome de Down na sociedade, fizeram com que a qualidade e expectativa de vida deles aumentassem de maneira vertiginosa. Enquanto em 1947 a expectativa de vida era entre 12 e 15 anos, em 1989, subiu para 50 anos. Atualmente, é cada vez mais comum pessoas com Síndrome de Down chegarem aos 60 anos, ou seja, uma expectativa de vida muito parecida com a da população em geral. Em 2007 faleceu em Anápolis, Goiás, uma das pessoas com Síndrome de Down que mais tempo viveu, Dilmar Teixeira, com 74 anos.

    Apesar destes enormes avanços, mais de 150 anos após a sua caracterização detalhada por John Langdon Haydon Down, ainda existem hiatos muito grandes na compreensão dos sinais e sintomas da síndrome, e pouco se avançou no sentido de curá-la.

    Tendo quase todos os indivíduos com Síndrome de Down três cópias de todos os genes do cromossomo 21, porque só metade nasce com malformação cardíaca e a outra metade não? Por que, apesar de todos terem algum grau de inabilidade intelectual, esta é variável mesmo entre aqueles que são diagnosticados precocemente e têm acesso a tratamentos adequados?

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    Os avanços que vieram a partir do Projeto Genoma Humano, com o sequenciamento completo do cromossomo 21 em 2000, e as pesquisas que sucederam, trouxeram informações importantes, mas ainda incompletas. O cromossomo 21 é o menor cromossomo humano, e um dos que menos tem genes (regiões que sintetizam proteínas), apenas 234.

    Estes aspectos possivelmente explicam porquê a natureza permite que uma gestação chegue ao fim em 25% das vezes que um embrião tem três cromossomos 21, sendo que quase todas as outras trissomias são letais intra-útero. Sabe-se também que dentro do cromossomo 21 existem “regiões críticas” para o aparecimento de cada um dos sinais e sintomas, como a presença de cardiopatia e de inabilidade intelectual.

    Estão regiões contêm genes que são candidatos a ser responsáveis, quando em dose tripla de produção de proteínas, aos sinais da síndrome. Mais do que isto, uma das grandes surpresas da pesquisa científica dos últimos anos é o conhecimento de que o cromossomo 21 tem sequências de DNA que produzem proteínas que têm ação no funcionamento de genes situados também em outros cromossomos além do 21. E, talvez, a resposta para boa parte das perguntas que ainda são misteriosas em relação à Síndrome de Down, venham de variantes em outros cromossomos que não o 21, algo que há 10 anos atrás não se imaginava.

    Somadas estas informações às reconhecidas influências do meio ambiente, e o conhecimento atual de que o meio ambiente pode influir na produção ou não de proteínas pelos genes sem alterar a sequência do DNA (epigenética), põe por terra mais um paradigma da medicina genética: de uma condição tradicionalmente reconhecida como “puramente cromossômica”, para uma entidade multifatorial.

    Estas hipóteses estão agora sendo intensivamente testadas. Em 2010 foi criado o primeiro camundongo com trissomia 21, com o intuito de usar como modelo de pesquisa. Mais importante ainda, desde 2008 é possível gerar linhagens de células-tronco humanas com três cromossomos 21, estudar o genoma e o transcriptoma destas células, assim como testar a reação bioquímica delas à inúmeras drogas, o que obviamente não é possível fazer in vivo (em pessoas).

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    O sonho terapêutico na Síndrome de Down é ser capaz de silenciar a atividade de um dos três cromossomos 21 presente nas células dos portadores, esperando que, com isto, os genes que são desregulados não só neste como em outros cromossomos voltem à normalidade.

    Uma pesquisa muito inovadora realizada em 2013 pelo grupo da pesquisadora americana Jeanne Lawrence, da Escola Médica da Universidade de Massachusetts, demonstrou que, ao menos ao nível de poucas células no laboratório, isto é possível, explorando o que a própria natureza já faz para silenciar um cromossomo X de cada célula do embrião do sexo feminino.

    Mas, na pesquisa científica, a cada pergunta respondida surgem inúmeras outras indagações. Mesmo que isto venha a se tornar possível, como silenciar o terceiro cromossomo 21 em bilhões de células do corpo humano? Em teoria, no futuro, as poucas células de um embrião com trissomia 21 em estágio de desenvolvimento inicial poderiam ter seu cromossomo 21 extra desligado. Porém, muita pesquisa ainda será necessária para que haja alguma aplicação concreta desta técnica e questões éticas e legais também terão que ser discutidas e esclarecidas.

    No dia em que se celebra os avanços no conhecimento da síndrome, infelizmente temos que chamar a atenção ao total abandono do estado brasileiro aos indivíduos com condições de causa genética. Na grande maioria das cidades brasileiras, quando uma criança nasce com sinais e sintomas que fazem o médico suspeitar desta ou de outras síndromes, há enorme dificuldade de conseguir acesso a um simples exame laboratorial que existe há mais de 60 anos (o cariótipo), que consegue confirmar ou excluir este diagnóstico com absoluta precisão e cujo resultado permite ao mesmo tempo fazer o Aconselhamento Genético aos familiares no que se refere aos riscos para futuras gestações.

    Além disto, poucas cidades brasileiras têm centros de referência para o atendimento multidisciplinar que estas pessoas certamente necessitam. A falha histórica e vergonhosa de sucessivos governos brasileiros na implantação de uma política de atendimento a pacientes com doenças genéticas é minimizada com o gigantesco esforço do movimento das APAEs e de ONGs de apoio a estes pacientes. Some-se a estes obstáculos a questão cultural, que ainda impõe enormes restrições aos indivíduos com necessidades especias, com destaque para a dificuldade que as escolas e os empregadores têm de colocar em prática o termo “inclusão”, e concluímos que apesar de termos muito o que comemorar no dia de hoje, há muito o que cobrar dos gestores de saúde e de educação para que todo dia seja dia de TODOS os indivíduos, incluindo aqueles com Síndrome de Down ou qualquer outra necessidade especial.

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    Como disse Jérôme Lejeune: “É preciso dizer as coisas com clareza, mede-se a qualidade duma civilização pelo respeito que ela tem pelos seus membros mais frágeis. Não há outros critérios de julgamento.”

    A Sociedade Brasileira de Genética Médica disponibiliza uma lista de instituições aonde é feito Aconselhamento Genético, uma lista de médicos geneticistas por Estado, assim como uma lista de laboratórios especializados em exames de genética. Para informações sobre uso de medicações, drogas e infecções na gravidez, a SBGM possui uma rede gratuita de informação sobre agentes teratogênicos ou pelo telefone (51) 3308-8008.

     

    Salmo Raskin
    (Gilberto Tadday/VEJA)

     

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