O que é a felicidade? Uma pergunta simples nem sempre tem uma resposta fácil. A melhor definição é a de ser a combinação da existência de sentimentos positivos, de poucas emoções negativas e alto grau de satisfação com a vida. Mas, mais difícil do que definir, é compreendermos o que faz de alguém genuinamente feliz.
Felicidade não é um sentimento, mas o resultado de uma vida bem vivida. Ou seja, ser feliz dá trabalho. Não é algo adquirido de forma passiva, tampouco fugaz.
Este conceito ativo de felicidade é observado nas interpretações religiosas e filosóficas de forma milenar. No budismo, por exemplo, há a ideia de que todos temos a capacidade de sermos felizes, mas muitos vivem sem alcançá-la por não trabalharem os recursos necessários em si mesmos. Na filosofia aristotélica, ela é alcançada ao garantirmos uma existência baseada na virtude, em uma vida de propósito e significado.
Todavia, o valor do conceito de felicidade esvai ao longo do tempo dentro do mundo ocidental. Inicialmente pelos caminhos tomados pela própria ética religiosa, que passou a reconhecer a experiência da felicidade como sendo algo mais raso e de menor valor e o enaltecimento do sofrimento como uma vivência mais profunda e até mesmo mais verdadeira do que a felicidade.
Isso trouxe repercussões importantes de como passamos a interpretar a vida. Há poucas décadas o conceito de saúde mental era entendido apenas como a não existência de doenças, por exemplo. Pouco ou nenhum valor se dava a ideia de como viver uma vida melhor.
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A não atenção ao conceito de felicidade permitiu que o mundo contemporâneo deturpasse sua interpretação, restringindo-a à ideia da experiência do prazer. O que deveria ser uma parte do processo de uma vida virtuosa passou a ser o fim em si mesmo.
A felicidade passa a ser compreendida como uma experiência prazerosa e que pode ser buscada como um bem, ser consumida e adquirida por determinado preço. Quanto mais tempo a pessoa estiver com um sorriso no rosto, mais feliz é.
Houve, nesse contexto, uma aproximação natural do conceito de felicidade com o de riqueza. Mas, afinal, dinheiro traz felicidade? A resposta é sim e não. Estudos mostram que há uma correlação entre ganho financeiro e qualidade de vida, mas atingido um determinado patamar, não há diferença na descrição de felicidade das pessoas, sejam elas mais ricas ou não.
A presença da materialidade na ideia da felicidade traz outro viés em nossa sociedade que associa a ideia de sucesso ao de acúmulo financeiro. Associamos bens materiais com felicidade e comparativamente damos mais valor àquilo que não temos do que aquilo que possuímos.
Mas de onde viria essa tal felicidade? Estima-se que 50% da vivência da felicidade tenha um componente genético, 10% sobre o que de fato acontece em nossas vidas e os outros 40% dependem de como vivenciamos e interpretamos os acontecimentos. Não podemos mudar nossa herança genética, nem os acontecimentos em nossas vidas, mas podemos gerenciar a todo momento como olhamos para o mundo e para as coisas.
Como ser feliz? Há dois tipos de trabalho a serem feitos: um é sobre si mesmo e a forma de interpretar os acontecimentos. Não se trata de criar o ”jogo do contente”, em que se buscam coisas boas em tudo, mas de contarmos uma história verdadeira sobre nossas próprias experiências.
O outro trabalho, muito mais desafiador e importante, é o que fazemos com o mundo ao nosso redor. Nossa capacidade de sermos virtuosos de forma autêntica.
Podemos treinar nossa resiliência, nosso otimismo, construir redes de convívio saudáveis, buscarmos atividades que tragam pertencimento e propósito e fazer mais pelos outros. Usar mais o tempo fazendo coisas do que adquirindo coisas, expressar agradecimento, compaixão, gratidão, perdão e ter um olhar esperançoso para o futuro.
Isso é ser genuinamente feliz. Mãos e pensamentos à obra!
* Alaor Carlos de Oliveira Neto é psiquiatra e coordenador do Serviço de Psiquiatria do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP)