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Quais serão os novos tratamentos para esquizofrenia?

A esquizofrenia é uma doença mental com poucas opções de tratamento disponíveis. Mas pesquisas, inclusive brasileiras, buscam mudar esse cenário no futuro

Por José Alexandre Crippa
Atualizado em 21 mar 2018, 12h00 - Publicado em 21 mar 2018, 12h00
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  • Janus (do latim) era um dos únicos deuses Romanos que não teve o seu correspondente emprestado da mitologia grega, sendo geralmente representado por duas faces olhando em direções opostas: uma jovem voltada para frente e outra, de um senhor idoso e barbado, olhando para trás. A figura dupla de Janus consistentemente simboliza que ele é o deus do passado e do futuro.

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    O passado

    Assim, com a face de Janus voltada para trás, até a metade do século XX, o tratamento da esquizofrenia era feito por uma série de composições farmacológicas e estratégias inespecíficas de baixa ou nenhuma eficácia terapêutica real, o que praticamente impossibilitava a convivência social e muitas vezes condenava os pacientes à perpétua institucionalização.

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    Entretanto, no início da década de 50, foi descoberta a clorpromazina, cujos experimentos dos psiquiatras franceses Delay e Deniker demonstraram ser o primeiro antipsicótico, capaz de reduzir os sintomas de agitação, delírios e alucinações. Os psiquiatras da época passaram a considerar este medicamento uma droga que revolucionou o tratamento da esquizofrenia, e que de fato ampliou a qualidade de vida e favoreceu a desospitalização dos pacientes.

    No mesmo ano dos seus primeiros achados, a clorpromazina já estava disponível para prescrição na prática clínica – sendo que ainda hoje este composto, ou outros com mecanismos de ação relativamente similares, ainda estão entre os mais utilizados.

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    O presente

    A esquizofrenia é um transtorno psicótico do desenvolvimento cerebral, que pode afetar até 1% da população. Ocorre em todas as raças, culturas, independente de classe social e em ambos os sexos. Este transtorno psicótico pode ser tratado, mas não curado. Isto pois, mesmo com todos os novos medicamentos descobertos e disponíveis desde a chegada da clorpromazina, cerca de metade dos pacientes com esquizofrenia ainda possuem as vidas gravemente prejudicadas devido a resposta insatisfatória ao tratamento.

    As medicações disponíveis apresentam importantes efeitos adversos e limitada ação em sintomas cruciais da doença como nos prejuízos cognitivos (alteração na atenção, memória, processamento executivo, por exemplo) e nos chamados “sintomas negativos” (como na falta de motivação, retraimento emocional e restrição no afeto). Dessa forma, existe uma óbvia necessidade de explorar novos compostos terapêuticos para o manejo da esquizofrenia. Ou seja, para o tratamento deste transtorno, a face de Janus também tem que se voltar para o futuro.

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    O futuro: brasileiros lideram linhas de pesquisa

    Portanto, vários grupos de lideranças científicas internacionais têm buscado testar compostos com mecanismos de ação completamente diversos, na busca de novas possibilidades com segurança, tolerabilidade e, especialmente, maior eficácia nos sintomas negativos, cognitivos e que possam mudar o curso da doença. Alguns pesquisadores brasileiros, como o professor Jaime Hallak da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (com quem divido a redação deste artigo) estão na vanguarda na pesquisa de alguns destes novos tratamentos, que são apresentados a seguir.

    O grupo da FMRP-USP em Ribeirão Preto nos últimos anos ganhou projeção devido aos estudos com o canabidiol (CBD), um composto presente na planta Cannabis Sativa, que não apresenta as mesmas propriedades psicomiméticas do THC – composto responsável pelos principais efeitos do uso da maconha. No início dos anos 80, as pesquisas lideradas pelo professor Antonio Zuardi demonstraram que pequenas quantidades do CBD eram capazes de reverter sintomas psicóticos induzidos por altíssimas doses do THC.

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    Posteriormente, em relatos clínicos e série de casos controlados, este pesquisador demonstrou que este canabinoide, isoladamente ou em adição aos antipsicóticos disponíveis, era capaz de melhorar os sintomas de pacientes com esquizofrenia. Mais recentemente, em uma amostra maior de pacientes, um grupo de pesquisadores na Alemanha confirmou os nossos achados preliminares, reforçando que o CBD apresenta eficácia antipsicótica e maior tolerabilidade devido ao menor perfil de efeitos colaterais do que os antipsicóticos habituais .

    Em um outro estudo pioneiro colaborativo, realizado em Ribeirão Preto e no Paquistão, foi demonstrado que a minociclina, um antibiótico com propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, reduziu não só os sintomas clássicos da esquizofrenia, mas também melhorou os sintomas negativos e alguns sintomas cognitivos de pacientes. Igualmente, em uma série de estudos clínicos e pré-clínicos, em parceria com grupos ingleses e canadenses, o grupo da FMRP-USP demonstrou que o anticonvulsivante lamotrigina pode potencializar os efeitos dos antipsicóticos habituais e melhorar toda a amplitude de sintomas da esquizofrenia, ao menos em uma parcela de portadores deste transtorno.

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    O nitroprussiato de sódio é um doador de óxido nítrico utilizado clinicamente desde 1929 para o tratamento de hipertensão grave. Atualmente está disponível comercialmente com o intuito de reduzir a pressão sanguínea, sendo que os seus mecanismos de ação são complexos e apenas parcialmente compreendidos. Mais recentemente, em um impressionante estudo seminal publicado na prestigiosa revista JAMA Psychiatry, o grupo da FMRP-USP liderado pelo professor Hallak juntamente com outros colaboradores internacionais verificou que o nitroprussiato de sódio rapidamente melhorou as várias dimensões de sintomas em pacientes com esquizofrenia, apoiando os achados prévios em estudos com animais de laboratório. Novos estudos com amostras maiores, diferentes doses e maior tempo de tratamento estão em andamento e poderão contribuir para o maior entendimento dos mecanismos de ação e viabilizar a sua utilidade clínica para o tratamento das psicoses no futuro.

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    Dessa forma, voltando novamente para Janus, sabe-se que ele também foi considerado como o deus das mudanças e transições. Portanto, com o estudo desses e de outros diversos compostos com mecanismos de ação distintos, fica a esperança de que estejamos passando por uma transformação para um novo futuro (ou presente) no tratamento farmacológico desta doença. Assim, que venham medicamentos que tratem todo o conjunto de sintomas da esquizofrenia; com poucos efeitos adversos; que principalmente promovam a prevenção, estabilização na progressão ou até a recuperação do funcionamento dos pacientes para como antes do início da doença. Ou seja, com todo conhecimento do passado, quem sabe o futuro traga a possibilidade de cura deste importante transtorno psiquiátrico. Alea jacta est!

     

    José Alexandre Crippa

     

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