Você, que hoje está na faixa dos 30 e poucos anos, como imagina sua vida em 2050? Já se dá conta de que será então um sexagenário? Pensa sobre quão ativo, bem-disposto e saudável estará então? Permita-me um conselho – resista ao impulso de virar a página ou rolar o feed e me acompanhe em algumas reflexões.
Segundo análise da Fiocruz sobre projeções de envelhecimento populacional realizadas com base no Censo 2010, quando a proporção de pessoas acima dos 60 anos representava 10% dos brasileiros, o envelhecimento real da população entre 2019 e 2021 mostrou-se maior do que o projetado. Isso ocorreu não porque houve mais mortes, mas, sim, em decorrência de menos nascimentos – o que aponta para uma tendência de redução na população total, com aumento na proporção da população idosa e consequentes transformações nas relações intergeracionais.
Diferentes estimativas, feitas por institutos como o IPEA, a Faculdade de Medicina da Universidade de Washignton e o IBGE, indicam que o Brasil chegará ao pico de sua população entre 2038 e 2048. A partir daí, quando o país deverá ter aproximadamente 235 milhões de habitantes, nossa população vai começar a diminuir, aumentando o topo da pirâmide – ou seja, a quantidade de pessoas mais velhas – e cada vez mais estreitando a base, que representa as pessoas mais jovens.
Em 2050, os indivíduos acima dos 60 anos somarão cerca de 67 milhões, mais de 30% da população. O quadro demográfico que se configura prenuncia um imenso desafio para nós. Nenhum país em desenvolvimento passou por essa experiência. Todos os países que já envelheceram (muitos dos quais estão agora vivenciando agora uma redução demográfica) primeiro enriqueceram e, só depois, precisaram se organizar para cuidar do novo desenho de sua população envelhecida.
A falta de um modelo em que nos espelhar exigirá criatividade e investimento para que estejamos preparados. O bem mais precioso de um país são suas pessoas e fazer com que envelheçam de maneira ativa e saudável é investir no futuro da nação, tornando-a mais produtiva e competitiva.
Urge educar nosso olhar e aprender alguns pontos importantes sobre intergeracionalidade, aprendizado ao longo da vida e cultura do cuidado. São temas que farão grande e imediata diferença no que toca à longevidade da geração idosa de 2050: vocês, os jovens de hoje. Esse olhar será crítico para o bem-estar e a qualidade de vida de quem terá mais de 60 anos daqui a menos de três décadas.
O maior temor da velhice sempre foi e sempre será a perspectiva de chegar a ela com problemas de saúde, com corpo e mente fragilizados, desamparado, sem nenhuma proteção e sem ter com quem contar. Assim, é importante que se desperte desde cedo a preocupação de se chegar à velhice com qualidade.
Isso pressupõe disseminarmos uma cultura do cuidado desde jovem, almejando uma idade madura ativa e lúcida, aumentando a possibilidade de manter geração de recursos para a família e a sociedade por mais tempo. Como eu sempre afirmo, para bem envelhecer, prepare-se já, quanto mais cedo melhor, embora nunca seja tarde demais.
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O cuidado… e os cuidadores
Paralelamente ao rápido envelhecimento da população brasileira, cresce o número de familiares que cuidam de idosos no país. Segundo a PNAD 2020, esse número saltou de 3,7 milhões em 2016 para 5,1 milhões de pessoas que se dedicavam a cuidados de familiares com 60 anos ou mais em 2019.
Em algum momento da vida, duas em cada três pessoas se tornarão cuidadoras, de acordo com o relatório de higiene e saúde Essity 2023-2024 Advancing Health and Well-being Through Care, Prevention and Gender Equality. Segundo ele, 80% da prestação de cuidados é realizada por membros da família. Aqui, uma questão de gênero se impõe, já que a grande maioria dos cuidadores são do sexo feminino.
É preciso sempre se lembrar da importância de cuidar de quem cuida. Quem não conhece casos assim, em que filhos, netos, sobrinhos ou irmãos se dividem nos cuidados com um ente querido? Ou casos em que um familiar fica integralmente responsável pelos cuidados com o parente idoso? Essa segunda alternativa deve ser evitada sempre que possível.
Qualquer pessoa que já tenha desempenhado o papel de cuidador sabe da sobrecarga que essa tarefa acarreta. Mesmo quando os cuidados são dedicados a um familiar amado, o esforço físico que banhos, trocas e vigília demandam, assim como o desgaste emocional pela necessidade de manter toda a rotina da pessoa cuidada em dia, são responsabilidades menos árduas quando compartilhadas.
Nesse sentido, a tecnologia tem sido uma aliada dos cuidadores – principalmente dos cuidadores familiares. Pesquisa realizada em 2022 pela mesma Essity mostrou que 72% dos brasileiros entrevistados concordavam que serviços digitais de saúde são capazes de economizar o tempo do cuidador para que ele possa dedicá-lo ao paciente.
Recentemente, temos visto uma grande oferta de aplicativos voltados ao acompanhamento de aspectos da saúde. É a tecnologia facilitando nosso autocuidado ao permitir que nós, usuários, acompanhemos de forma atenta e mais próxima como andam nossa pressão arterial e frequência cardíaca, alimentação e questões relacionadas à saúde mental. Hoje contamos também com apps capazes de auxiliar na organização das tarefas diárias e na rotina do idoso.
Isso porque a tecnologia, nesse caso, permite que todas as pessoas envolvidas nos cuidados compartilhem em tempo real as informações sobre medicamentos, horários de consultas médicas, troca de fraldas etc. Imagine que, em uma casa, todos os cuidadores conseguem ter acesso às informações da pessoa cuidada e compartilhar seu histórico via celular, por meio de uma plataforma digital que torna o ato de cuidar mais prático, mais seguro e, quem sabe, até menos estressante.
Trata-se de uma abordagem inovadora da tecnologia aplicada ao cuidado com pessoas, uma ferramenta para todos que desempenham a tarefa de cuidar, tão útil para a organização do cuidado com o outro quanto para a organização do próprio tempo, contribuindo, portanto, para o autocuidado também.
Desde que haja uma eficaz articulação entre os agentes capacitados a promover uma cultura do cuidado através do compartilhamento de informações, de tarefas, de trocas intergeracionais e de aporte econômico, a longevidade deixa de ser uma ameaça para se transformar no que de fato ela é: a maior conquista social dos últimos cem anos.
* Alexandre Kalache é médico gerontólogo, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR) e ex-diretor do departamento de envelhecimento e saúde da OMS