Assine VEJA por R$2,00/semana
Letra de Médico Orientações médicas e textos de saúde assinados por profissionais de primeira linha do Brasil
Continua após publicidade

Por que tanto Cipro?

A prescrição indiscriminada do antibiótico ciprofloxacino para quadros nos quais ele não tem efeito terapêutico contribui para a resistência bacteriana

Por Artur Timerman
Atualizado em 9 Maio 2018, 12h00 - Publicado em 9 Maio 2018, 12h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Temos visto nos últimos anos, cada vez com maior frequência, a prescrição do antibiótico ciprofloxacino para quadros infecciosos (ou mesmo não infecciosos) para os quais ele é desprovido de qualquer efeito terapêutico. Um grande número dessas prescrições é realizada por médicos que trabalham em serviços de pronto-atendimento, isto é, aqueles profissionais que vêm o paciente muitas vezes na primeira vez que procuram atendimento médico. Mas não é incomum que nos deparemos com a prescrição inadequada desse antibiótico por outros médicos, como clínicos gerais, cirurgiões gerais, ginecologistas, dermatologistas, otorrinolaringologistas, etc.

    Publicidade

    Prescrição imprópria

    Quais são as condições clínicas nas quais esse produto é mais comumente prescrito de forma imprópria ?

    Publicidade

    As prescrições de antibióticos para tais indicações, quando se somam, respondem certamente por cerca de 25% a 35% de todas prescrições de antibióticos na prática clínica diária.

    Por que dizemos que são prescrições inadequadas ?

    Quando se prescreve um determinado antibiótico para o tratamento de alguma infecção bacteriana há de se levar em consideração:

    Publicidade
    Continua após a publicidade
    1. A atividade desse antibiótico diante da bactéria que se presume ser a principal causadora do processo infeccioso em questão;
    2.  A concentração desse antibiótico no local onde a infecção se situa, isto é, se após sua administração (por qualquer via, oral- intramuscular – endovenosa) ele alcançará níveis suficientes no local onde se situa a infecção de modo a que iniba o crescimento da bactéria ou acabe por matá-la.

    Todas as infecções acima mencionadas constituem-se exemplos em que essas duas características não são preenchidas pelo cipro. Assim sendo, salientemos que as bactérias principais causadoras de infecções de pele e tecido celular subcutâneo não estão incluídas dentre aquelas que se constituem no assim denominado “espectro de atividade do antibiótico”. Alia-se a isso, o fato conhecido que essa droga não atinge concentrações suficientes nesses tecidos de modo a que pudessem ser efetivamente úteis no tratamento dessas condições clínicas, das mais corriqueiras na prática clínica diária.

    O uso de cipro no tratamento de pneumonias caracteriza-se pelas mesmas condições acima expostas: reduzida atividade contra os micro-organismos principais causadores de pneumonias adquiridas fora do ambiente hospitalar e baixa concentração em tecido pulmonar.

    Publicidade

    Riscos: resistência bacteriana

    Já em relação às infecções do trato urinário, as condições são peculiares. Durante muitos anos, desde o lançamento desse antibiótico no início da década de 1980, o tratamento dessas infecções constituía-se excelente indicação do produto, que foi então extensivamente utilizado. Esse uso, talvez exagerado, paulatinamente veio se associando ao encontro crescente de resistência ao cipro das bactérias mais comumente implicadas nesse tipo de infecção.

    Continua após a publicidade

    A bactéria Escherichia coli é causadora de mais de 70% dessas infecções, sendo que atualmente cerca de 40-50% delas se mostram resistentes a esse antibiótico. Como regra geral em antibioticoterapia, preconiza-se o uso empírico (isto é, uso prévio à identificação do agente bacteriano causador da infecção e do conhecimento do perfil de sensibilidade e resistência – “antibiograma”- da bactéria aos antibióticos) somente quando se tem conhecimento que o índice de resistência ao antibiótico não supere a taxa de 20% (preferencialmente sendo inferior a 10%).

    Publicidade

    Ressaltemos que esses índices de sensibilidade e resistência são muito variáveis de acordo com o local onde o paciente se encontra e, por esse motivo, preconiza-se que os Serviços de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) atuantes em todas instituições de saúde divulguem mensalmente esse perfil para que o médico prescritor atuando naquela instituição tenha conhecimento que embase a prescrição correta do antibiótico. Infelizmente, não é essa a condição que vigora em nosso país. Temos visto em vários locais de nosso Brasil, que a grande maioria dos médicos não tem conhecimento desse perfil e não o demanda dos SCIH, em muito afetando uma melhor prática clínica.

    No que tange às infecções das vias aéreas superiores, vigoram os mesmos óbices relacionados quanto ao tratamento de infecções cutâneas e pneumonias, isto é, reduzida atividade diante dos principais causadores dessas infecções aliada à reduzida concentração do antibiótico no local onde se situa o processo infeccioso.

    Publicidade
    Continua após a publicidade

    Além da ineficácia do cipro diante dessas infecções, problema da maior relevância correlaciona-se aos mecanismos de resistência das bactérias a esse antibiótico e a grande probabilidade dessa resistência acabar por vir gerar resistência diante de uma ampla gama de outros antimicrobianos.

    Tipos de resistência bacteriana

    Em termos gerais, a resistência bacteriana pode ser transmitida verticalmente (isto é, todas as bactérias descendentes da bactéria original que desenvolveu mutações cromossômicas que geraram a resistência acabam por serem também resistentes, uma vez que compartilham esse material cromossômico) ou horizontalmente (a bactéria gera material genético extra-cromossômico – denominado plasmídeo – situado no citoplasma da célula, que porta a mutação responsável por codificar a alteração responsável pelo mecanismo de resistência contra o ciprofloxacino, material apto a ser transferido não somente à sua descendência como também a toda e qualquer outra bactéria com a qual essa primeira bactéria venha a conviver no micro-ambiente que habita).

    A resistência ao cipro pode ser das duas naturezas, isto é, vertical e horizontal. Outra característica marcante é que o plasmídeo associado à resistência a esse antibiótico acaba por se acoplar a outros plasmídeos que portam material genético que se associa a resistência a outros antibióticos, principalmente os beta-lactâmicos (penicilinas, cefalosporinas, carbapenêmicos), macrolídeos, tetraciclinas e aminoglicosídeos.

    Continua após a publicidade

    Esse acoplamento consubstancia a formação de “cassetes” de plasmídeos, elementos genéticos extra-cromossômicos que representam então verdadeira arma mortal que inativa uma grande parte dos antibióticos conhecidos, sendo uma das causas mais importantes do desenvolvimento da multi-resistência bacteriana.

    Conscientização

    Em resumo, o uso indiscriminado de cipro pode gerar resistência bacteriana não somente contra ele, mas pode representar o caminho através do qual a bactéria vai se tornar resistente a grande parte dos antibióticos disponíveis no arsenal terapêutico.
    Assim sendo, devemos lembrar ao médico que prescreve o antibiótico sua responsabilidade não somente diante do paciente sujeito de sua prescrição, mas também sua responsabilidade social em impedir a geração e posterior disseminação de resistência bacteriana, que vem cada vez se caracterizando como um dos mais importantes problemas de saúde pública, ponto de vista corroborado pela Organização Mundial da Saúde.

     

    Artur Timerman

     

    Quem faz Letra de Médico

    Adilson Costa, dermatologista
    Adriana Vilarinho, dermatologista
    Ana Claudia Arantes, geriatra
    Antonio Carlos do Nascimento, endocrinologista
    Antônio Frasson, mastologista
    Artur Timerman, infectologista
    Arthur Cukiert, neurologista
    Ben-Hur Ferraz Neto, cirurgião
    Bernardo Garicochea, oncologista
    Claudia Cozer Kalil, endocrinologista
    Claudio Lottenberg, oftalmologista
    Daniel Magnoni, nutrólogo
    David Uip, infectologista
    Edson Borges, especialista em reprodução assistida
    Fernando Maluf, oncologista
    Freddy Eliaschewitz, endocrinologista
    Jardis Volpi, dermatologista
    José Alexandre Crippa, psiquiatra
    Ludhmila Hajjar, intensivista
    Luiz Rohde, psiquiatra
    Luiz Kowalski, oncologista
    Marcus Vinicius Bolivar Malachias, cardiologista
    Marianne Pinotti, ginecologista
    Mauro Fisberg, pediatra
    Miguel Srougi, urologista
    Paulo Hoff, oncologista
    Paulo Zogaib, medico do esporte
    Raul Cutait, cirurgião
    Roberto Kalil, cardiologista
    Ronaldo Laranjeira, psiquiatra
    Salmo Raskin, geneticista
    Sergio Podgaec, ginecologista
    Sergio Simon, oncologista

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 2,00/semana*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 39,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.