A endometriose é a saída do tecido menstrual, que é aquela camada interna do útero, para fora desse órgão. Normalmente, a mulher menstrua, só que, pelo fato de as tubas uterinas estarem abertas, esse material também escoa por ali e cai dentro da cavidade pélvica e abdominal. Um dos lugares mais frequentes, até pela ação da gravidade, é logo abaixo do útero, resvalando para ovário, intestino e bexiga. Isso causa uma reação inflamatória que pode ser pequena ou bastante severa.
Mesmo sendo uma das doenças mais estudadas atualmente, não sabemos exatamente a causa da endometriose. Sabemos que existe um comprometimento da imunidade local e fatores genéticos envolvidos. Mas qual é o fator genético e qual o da imunidade ainda não conseguimos determinar.
O que já está claro é que a endometriose acomete cerca de 10% de todas as mulheres que menstruam no mundo inteiro (são cerca de 200 milhões), e, no Brasil, ao redor de 8 milhões sofrem com os sintomas da doença. Aquelas mulheres que sangram mais também são mais propensas a ter endometriose do que aquelas que sangram menos. O que não está definido é por que uma desenvolve a forma mais agressiva e outra um quadro mais brando.
As manifestações do problema envolvem de dores frequentes na região pélvica a dificuldades para engravidar. Existe um leque de tratamentos para controlar a endometriose, que podemos resumir em intervenções cirúrgicas (geralmente por videolaparoscopia) e medicações com ação hormonal. Mesmo assim, a ciência continua em busca de opções terapêuticas.
Uma delas é um novo medicamento, o primeiro tratamento não hormonal nem cirúrgico para a endometriose. Ele foi alvo de um ensaio clínico conduzido na Escócia, liderado por um médico bastante conhecedor do assunto, Andrew Horne, da Universidade de Edimburgo.
A pesquisa teve início em 2023 e vem mostrando resultados promissores. Para realizá-la, os cientistas retiraram amostras de pacientes durante laparoscopias diagnósticas e descobriram que aquelas com endometriose peritoneal (membrana que recobre a cavidade pélvica) tinham níveis significativamente mais altos de uma substância química chamada lactato na pélvis.
O lactato é produzido quando o corpo quebra a glicose, e essa presença aumentada sugeriu uma participação da substância no desenvolvimento das lesões de endometriose. Possivelmente semelhante ao papel que o lactato desempenha ao ajudar as células cancerosas a proliferar.
Os cientistas então procuraram um medicamento que já havia sido testado em pacientes com câncer e optaram pelo dicloroacetato (DCA). Ele também é usado para tratar tipos raros de distúrbios metabólicos em crianças nos quais o ácido láctico em excesso se acumula no sangue.
Um pequeno grupo de pacientes com endometriose tratadas com o DCA relatou menos dor e melhor qualidade de vida. Um ensaio clínico com uma amostragem maior, comparando a droga a um grupo placebo, será o próximo passo.
É importante ressaltar que provavelmente não teremos um novo remédio no mercado entre cinco e sete anos, mas esse estudo chama a atenção para os avanços na área, aumentando a esperança de tratamentos específicos para endometriose. Definitivamente, há luzes no fim do túnel.
* Marcos Tcherniakovsky é ginecologista, chefe do Setor de Videoendoscopia e Endometriose da Faculdade Medicina do ABC, diretor médico da Clínica Ginelife e diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de Endometriose (SBE)