O novo papel da aspirina no tratamento do câncer
Estudos revelam potencial do antigo e consolidado remédio para evitar o retorno da doença no intestino
A aspirina é, sem dúvida, um dos medicamentos mais icônicos da medicina moderna. Nascida da observação popular do uso da casca de salgueiro contra dor e febre, adquiriu base científica no século 19, quando químicos europeus conseguiram isolar e depois acetilar a salicina, reduzindo sua toxicidade. A partir de 1897, o ácido acetilsalicílico passou a ser consumido em larga escala em todo o mundo.
Durante décadas, foi conhecida essencialmente como analgésico e anti-inflamatório. Só em 1971 seu mecanismo de ação foi melhor compreendido: a inibição da síntese de prostaglandinas, descoberta que rendeu o Nobel em 1982.
Essa revelação marcou um ponto de virada significativo. Em baixas doses, a aspirina mostrou-se capaz de reduzir a agregação plaquetária e prevenir a formação de coágulos. Tornou-se a base da prevenção de infartos e acidentes vasculares cerebrais, salvando milhões de vidas.
Agora, mais de um século depois de sua síntese, a aspirina volta a surpreender. Estudos recentes mostram que, em pacientes com câncer colorretal que apresentam mutações específicas em PIK3CA, o uso do medicamento após cirurgia pode reduzir significativamente o risco de volta da doença.
Os números chamam a atenção: em três anos de tratamento, a taxa de recorrência caiu quase pela metade, com um número necessário a tratar em torno de 14 a 15 pacientes para evitar uma recidiva. Um benefício robusto, de magnitude comparável ou superior ao que se espera de terapias muito mais caras e complexas.
Esse movimento se insere num conceito cada vez mais debatido na medicina: a exploração de novas indicações para medicamentos conhecidos A ideia é simples e sedutora — utilizar medicamentos já conhecidos, seguros e baratos para novas indicações.
Na prática, porém, essa estratégia tem rendido resultados limitados, quando não frustrantes. Vimos isso em abordagens iniciais (ou precoces) durante a pandemia de covid-19, ou mesmo em propostas ainda carentes de evidências sólidas para o uso de vermífugos como tratamento oncológico.
O caso da aspirina é diferente. Aqui, a solidez dos dados, a clareza biológica do mecanismo e a consistência da evidência clínica dão peso real à ideia de reposicionar uma velha molécula para uma nova fronteira. Não se trata de uma hipótese exótica, mas de um caminho plausível, já amparado por evidência científica de qualidade.
A trajetória da aspirina nos ensina algo precioso. Mesmo na era da terapia-alvo, da imunoterapia e da edição gênica, ainda podemos encontrar respostas transformadoras em moléculas centenárias e acessíveis. Ressignificar drogas não é apenas reciclar velhas ideias — é reconhecer que a ciência avança em camadas, e que uma mesma substância pode revelar utilidades inesperadas ao longo do tempo.
Afinal, poucas histórias na medicina ilustram tão bem a longevidade e a capacidade de reinvenção de um fármaco quanto a da aspirina. De um extrato vegetal antigo a uma ferramenta de precisão oncológica, sua jornada prova que inovação nem sempre significa criar algo: às vezes, é olhar de novo para o que já temos.
* Gustavo Fernandes é oncologista e vice-presidente de Oncologia na Rede Américas
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