Médicos saudáveis, pacientes saudáveis: a urgência de cuidar de quem cuida
Profissionais de saúde que praticam atividade física e adotam hábitos saudáveis têm maior influência na mudança de comportamento de seus pacientes

Nos corredores de hospitais e consultórios, médicos se dedicam incansavelmente à saúde dos outros. Mas quem cuida da saúde dos médicos? Esse é um paradoxo que me incomodou desde a faculdade. Enquanto aprendíamos sobre saúde e como tratar doenças, muitos colegas adotavam um estilo de vida que ia na contramão do que ensinávamos aos pacientes: sedentarismo, noites mal dormidas, alimentação desregulada e níveis de estresse alarmantes.
A medicina deveria ser o campo do cuidado, mas o autocuidado é frequentemente negligenciado. A rotina intensa da faculdade e da residência médica impõe uma carga horária exaustiva, muitas vezes incompatível com hábitos saudáveis. O impacto disso? Médicos mais doentes, esgotados e menos eficazes naquilo que mais importa: inspirar seus pacientes a terem uma vida melhor.
O médico como exemplo
Não é apenas uma questão de qualidade de vida para os médicos. Estudos mostram que profissionais de saúde que praticam atividade física e adotam hábitos saudáveis têm maior influência na mudança de comportamento de seus pacientes. Quando um médico recomenda exercícios físicos ou alimentação equilibrada, mas ele próprio apresenta sinais de exaustão, sobrepeso ou maus hábitos, o impacto da sua orientação se reduz drasticamente.
Minha inquietação me levou a uma busca por dados concretos sobre esse cenário no Brasil. O problema? Quase não existem estudos robustos sobre o estilo de vida dos médicos brasileiros. Sabemos que 46% da população adulta no Brasil são sedentários, segundo o IBGE. Mas e a classe médica?
Para começar a preencher essa lacuna, fiz uma pesquisa em 2019 com 1.215 médicos brasileiros. O resultado foi alarmante: 71% deles não praticavam atividade física regular, nem mesmo em nível leve. Ou seja, a maioria dos profissionais que prescrevem saúde para seus pacientes não a aplicava em sua própria vida.
Movimento Médicos Atletas: uma nova cultura na medicina
Diante desse cenário, nasceu o Movimento Médicos Atletas, uma comunidade de médicos e estudantes de medicina que acreditam que é possível equilibrar a rotina profissional agitada e cansativa com um estilo de vida ativo e saudável. O objetivo? Transformar a cultura da medicina, incentivando o autocuidado como parte essencial do exercício profissional.
A iniciativa cresceu rapidamente. Hoje, realizamos pesquisas, desafios, eventos esportivos e projetos voltados à promoção da saúde dentro da classe médica. E não se trata de buscar atletas de alto rendimento, mas sim de reforçar a ideia de que médicos precisam cuidar de si para cuidarem melhor dos outros.
O impacto dessa mudança vai além do consultório. Se médicos se tornam exemplos de saúde, pacientes se sentem mais motivados a adotar hábitos saudáveis. Essa transformação pode, aos poucos, impactar toda a sociedade, tornando a medicina mais humana e coerente com seus princípios.
E se começássemos a cuidar de quem cuida?
A medicina precisa evoluir para um modelo em que o bem-estar do médico seja prioridade, e não um luxo. Precisamos quebrar o ciclo do excesso de trabalho, da exaustão e do descuido com a própria saúde.
E se os médicos brasileiros fossem os primeiros a provar que um estilo de vida saudável é possível? E se cada profissional da saúde se tornasse um exemplo vivo daquilo que prega? O impacto seria imensurável.
A mudança começa agora. Médicos saudáveis, pacientes saudáveis.
*Michelly Wada Monteiro é médica anestesista, surfista, apaixonada por esportes e fundadora do Movimento Médicos Atletas