Toda inovação que ajude a combater a infertilidade é bem-vinda. Estamos falando de uma condição que afeta uma em cada seis pessoas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e tem diversas causas que impedem e criam obstáculos à gestação de um bebê saudável.
Mas, no campo das novidades, precisamos separar a realidade da ficção científica. Além disso, certos avanços que são possivelmente viáveis podem demorar anos para tornarem-se palpáveis, o que pode gerar mais ansiedade nas mulheres e nos homens que sofrem com a dificuldade de ter filhos.
No final do ano passado, um vídeo criado por um produtor e cineasta apresentava uma empresa fictícia que oferecia serviços de “gravidez in vitro” através de úteros exógenos (artificiais). Apesar de o conteúdo deixar claro que o vídeo é fictício, as informações se espalharam, dando esperança a mulheres sem úteros funcionais.
O que temos atualmente sobre esse assunto ainda está no campo da pesquisa experimental. Todos os modelos animais não conseguiram ter uma gestação extraútero, ou seja, ainda não há aplicabilidade para essa “técnica” na vida real. Estamos muito distantes dessa realidade – e a viabilidade disso também não será nada fácil.
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Um ponto de entrave é que o útero artificial teria que ser sustentado por muitos meses, com sangue, oxigênio, nutrientes e hormônios na quantidade ideal, no que somente a máquina humana prova-se eficaz.
Fora isso, temos muitos estudos mostrando o efeito da epigenética nos bebês, ou seja, a reação da mãe, sua personalidade, a forma como lida com a gestação, tudo isso repercute na formação do bebê. Muitos sentimentos e ligações mais complexos, que não estão relacionados apenas à nutrição do feto, são transmitidos de mãe para filho.
Devemos considerar que isso teria grande impacto social, transformando totalmente a gravidez, com extensas discussões éticas para a aceitação pública e regulatória.
Atualmente, nos casos de útero não funcional, é possível ter um filho por meio do útero de substituição, popularmente conhecido como barriga de aluguel – quando uma pessoa fora da relação cede o útero para a gestação.
As resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) permitem que a barriga solidária tenha grau de parentesco (com o casal ou a mulher tentante) ou não seja do vínculo familiar. Esse último caso, no entanto, ocorrerá mediante a comprovação da impossibilidade de a tentante ou de uma parente próxima ser essa figura, sendo necessária a solicitação de uma autorização de excepcionalidade junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM) da jurisdição em que os tentantes estão situados.
Outra inovação que ganhou manchetes diz respeito aos embriões geneticamente modificados. As falhas genéticas ocorrem durante a formação do óvulo e do espermatozoide e geralmente têm relação com a idade mais avançada dos tentantes durante a concepção.
Editar e reparar genes mutantes poderia evitar que a criança resultante tenha uma doença hereditária. Mas as discussões éticas também apresentam um entrave para esse caso de bioengenharia.
No Brasil, atualmente, existe o teste genético pré-implantação para aneuploidia (PGT-A), que serve para testar o mapa cromossômico de embriões. O objetivo é identificar, na análise cromossômica dos embriões, se eles têm o número certo (23 pares) de cromossomos, demonstrando ser aqueles com maior chance de vir a se desenvolver e nascer.
O teste é feito em quase 50% dos casos de fertilização in vitro. Essa já é uma realidade. A importância da análise cromossômica é aumentar as taxas de nascidos vivos e diminuir taxas de aborto através da seleção de embriões competentes.
Embora o futuro da fertilidade pareça um terreno fértil, precisamos separar a realidade da ficção e acolher os casais que passam por esse desafio.
* Rodrigo Rosa é ginecologista e especialista em reprodução humana, diretor clínico da Mater Prime e do Mater Lab, em São Paulo, e membro da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH)