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Família, ancestralidade e etnia: a genética e o risco de câncer de mama

Especialista elucida como o DNA interfere na propensão à doença em cima de dados genéticos da população brasileira

Por Ricardo di Lazzaro*
10 out 2024, 10h13
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  • Já que o mercado da genômica não para de crescer – segundo a consultoria Nova One Advisor, projeta-se que o setor aumente de US$ 39,53 bilhões em 2024 para US$ 157,47 bilhões até 2033 –, é fundamental abordar a diversidade de testes disponíveis para investigação diagnóstica e análises genéticas em geral.

    Existem diferentes tipos que podem ser solicitados tanto quando já há suspeita de uma doença, como câncer de mama ou uma síndrome hereditária, quanto para a avaliação de predisposições genéticas a diferentes enfermidades.

    Ao realizar um teste de DNA, muitas pessoas buscam entender suas origens e a predisposição a determinadas condições de saúde. No contexto do câncer de mama, uma das doenças mais comuns entre mulheres em todo o mundo, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA),
    é essencial considerar a complexidade de suas causas, que envolvem dois componentes principais: o genético e o ambiental.

    Aproximadamente 70% dos fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de mama estão relacionados a influências ambientais, como hábitos de vida e exposição a determinadas substâncias (tabaco, bebida alcoólica, exposição a produtos químicos, entre muitos outros) e alterações moleculares aleatórias, enquanto cerca de 30% são atribuídos a fatores genéticos.

    No entanto, esses números não se referem a uma divisão exata dos casos de câncer de mama, mas sim à proporção em que esses fatores influenciam o risco de desenvolvimento da doença. Por exemplo: uma pessoa pode ter fatores genéticos e ambientais contribuindo simultaneamente para o aumento do risco de câncer.

    Além disso, cerca de 10% dos casos estão relacionados a mutações raras em genes específicos, como BRCA1 e BRCA2, que aumentam consideravelmente o risco.

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    Cada vez mais precisos e acessíveis, os testes genéticos podem mapear o DNA e identificar diferentes mutações que indiquem uma predisposição para o desenvolvimento do câncer. Como exemplo posso citar as mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, ligadas ao câncer de mama com maior prevalência em determinadas populações, como de judeus, inclusive os que emigraram para o Brasil e seus descendentes.

    Ancestralidade e câncer

    O conceito de “efeito fundador” é relevante aqui: pequenas populações carregam mutações genéticas introduzidas por seus fundadores, que são perpetuadas ao longo de gerações. Esse fenômeno pode explicar a presença de mutações em determinadas regiões do Brasil, como as observadas tanto em populações com ancestralidade africana quanto europeia.

    Dados coletados pela Genera mostram características importantes das origens ancestrais dos brasileiros, temos aproximadamente os seguintes indicadores: 72% de ascendência europeia, 11% africana, 6,5% das Américas, 5,5% do Oriente Médio, 3% judaica e 2% asiática. Essa diversidade genética influencia diretamente a predisposição a certas doenças, incluindo alguns tipos de câncer, e demonstram a miscigenação de nossa população.

    No país, uma única pessoa pode carregar trechos de DNA de todas essas populações – e consequentemente as variantes de riscos herdadas de cada etnia.

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    A revista científica Clinical Breast Cancer publicou, em 2023, um estudo que revelou diferenças significativas nas taxas de câncer de mama por etnia em várias regiões do Brasil. Mais de 1.200 casos de tumores HER-2 já diagnosticados foram analisados, mostrando variações significativas na incidência e nos subtipos de câncer de mama entre as diferentes populações estudadas.

    No Sul, predominantemente composto por indivíduos de etnia branca com forte ancestralidade europeia, observou-se maior incidência de tumores luminais (subtipo de câncer) HER-2 negativos. Esses tumores não apresentam a proteína HER-2 em suas células, o que geralmente está associado ao crescimento mais lento e a um prognóstico mais favorável. Os casos foram diagnosticados em pessoas com mais idade, com uma taxa elevada de tumores precoces, identificados em estágios iniciais.

    Em contrapartida, nas regiões Norte e Nordeste, nas quais a ancestralidade africana é predominante, a ocorrência de tumores HER-2 positivos foi maior. Esses tumores apresentam uma superexpressão da proteína HER-2, geralmente associada a um crescimento mais
    agressivo.

    O peso da região

    Um estudo realizado pela Genera corrobora a publicação anterior e reforça a importância de considerar a demografia e a ancestralidade na avaliação dos riscos genéticos associados à doença. Segundo a escala de risco genético, que analisou mais de 260 mil amostras de DNA em diferentes regiões do Brasil, o Sudeste apresenta a maior porcentagem de amostras classificadas como de risco aumentado para câncer de mama, com 34,2%.

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    As demais regiões seguem com os seguintes índices: Sul (31,7%), Nordeste (31,5%), Norte (31,2%) e Centro-Oeste (27,4%). Embora essas pesquisas apontem resultados distintos devido ao foco do estudo e à amostragem, elas ilustram bem a relevância de entender nossa história genética, mostrando o predomínio de incidências ou predisposições regionalizadas.

    Sabemos que a maioria dos casos de câncer de mama não tem um componente genético familiar específico, como mutações, mas a triagem genética pode ajudar a incentivar uma investigação mais aprofundada e um cuidado preventivo. Exames periódicos, como mamografias, em conjunto com o conhecimento do risco genético, são fundamentais para detectar possíveis anomalias no estágio inicial e aumentar as chances de cura.

    Também vale ressaltar a importância da análise genética do DNA tumoral, realizada após o diagnóstico de um câncer. O DNA do tumor sofre mutações ao longo do tempo, e identificar essas mutações é essencial para determinar o tratamento mais adequado. A medicina
    de precisão, baseada no perfil genético do tumor, vem se consolidando como uma ferramenta poderosa no combate ao câncer, permitindo terapias mais personalizadas e eficazes.

    Seja pela prevenção seja pelo tratamento, o conhecimento genético tem um papel central na saúde moderna, ajudando a salvar vidas e promovendo um cuidado cada vez mais individualizado e eficaz. Nem todas as mutações detectadas resultam necessariamente em câncer, e é importante ter um acompanhamento médico para interpretar os resultados corretamente e determinar as melhores ações a serem tomadas.

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    Entender a relação entre ancestralidade, genética e câncer de mama é um passo fundamental para a prevenção dessa doença. Testes genéticos, combinados com a análise do histórico familiar e da etnia, podem fornecer um sinal de alerta precoce, possibilitando que mulheres em grupos de risco tomem decisões informadas sobre sua saúde. À medida que a ciência avança, essas ferramentas se tornam cada vez mais poderosas.

    * Ricardo di Lazzaro é médico e farmacêutico, doutor em genética pela USP cofundador da Genera

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