Dados divulgados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam sete milhões de mortes anuais por doenças cardiovasculares causadas pela poluição atmosférica, sendo 25% por causas cardíacas e 24% por acidente vascular cerebral (AVC). Ainda, de acordo com a OMS,
nove em dez pessoas no mundo respiram poluentes que excedem os limites tolerados. Além disso, pesquisadores detectaram estreita relação entre o tempo de exposição ao ar poluído e o período de hospitalização por problemas cardiovasculares.
No Brasil, as queimadas e o clima seco enfrentados em boa parte do território ao longo do ano são agravantes que comprometem a saúde cardiovascular de uma expressiva parcela da população. De tão relevante, a poluição como fator de risco cardiovascular foi destaque na última edição do Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia. As discussões sobre a ameaça que esta condição representa ao coração estão incluídas nas Diretrizes de Hipertensão Arterial e de Fibrilação Atrial lançadas durante o evento, este ano, em Londres.
Na Diretriz de Hipertensão ressalta-se a relevância de monitoramento da geopolítica, das poluições sonora e atmosférica e do clima por interferirem diretamente no funcionamento do sistema cardiovascular. O documento pontua que onde a população de baixa e média renda é maior há menos acesso a programas de saúde, mais estresse financeiro e pouca ou nenhuma preocupação com a preservação do meio ambiente.
Na Diretriz de Fibrilação Atrial, a poluição é citada como uma das causas de arritmias cardíacas. As partículas finas presentes na poluição atmosférica entram na corrente sanguínea e causam inflamações nos vasos. Esta inflamação pode a levar ao estreitamento e à resistência das artérias, resultando no aumento da pressão arterial, ampliando o risco de doenças cardiovasculares. De igual modo, a poluição afeta o sistema nervoso central, alterando a normalidade do fluxo sanguíneo e contribuindo para o AVC.
Fatores de risco pouco democráticos
A poluição atmosférica não é “democrática”. A cada quatro óbitos por doenças cardiovasculares três ocorrem em países de baixa e média rendas. Isso porque ela não atinge todos da mesma maneira: em nações com zonas de pobreza maiores, normalmente existem menos áreas verdes e os moradores passam mais horas no transporte público, sujeitos a inalar fumaça proveniente dos veículos, sendo, portanto, mais propensos a cardiopatias decorrentes do ar poluído.
A baixa renda e o baixo nível de escolaridade dos cidadãos também impactam na saúde. Nessas circunstâncias, muitas vezes, há menos adesão e manutenção dos tratamentos propostos.
Quanto aos fatores culturais e comportamentais em famílias com condições financeiras mais precárias, as campanhas antitabagismo, por exemplo, nem sempre induzem a um movimento de parar de fumar. Já a alimentação de má qualidade nutricional tanto pode acontecer por falta de informação adequada, como pelo menor custo: geralmente alimentos industrializados e pobres em nutrientes são mais baratos.
Todas essas evidências nos alertam para a urgência de se aplicar os conceitos ESG — Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social
e Governança) — na área da saúde cardiovascular. ESG é um conjunto de padrões de gestão que orientam boas práticas ambientais (preservação do meio ambiente, reciclagem e controle de emissão de poluentes etc.); sociais, (esforços para uma sociedade mais justa e igualitária, com oportunidades para todos) e de governança, no que tange princípios e processos da administração de uma empresa pública ou privada.
Em 2025, no 45º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, pela primeira vez em uma conferência da área no Brasil, a Socesp irá implementar uma agenda de debates sobre os conceitos ESG e a relação com as doenças cardiovasculares, além de planejar o evento de forma sustentável.
*Ricardo Pavanello é cardiologista e presidente do 45º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp)