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É hora de abraçar o autismo

No Dia Mundial de Conscientização do Autismo, especialista propõe um novo olhar para a condição cujo diagnóstico aumentou entre crianças e adultos

Por Guilherme Polanczyk*
Atualizado em 2 abr 2023, 08h17 - Publicado em 2 abr 2023, 08h05
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  • Dedicamos o mês de abril, especialmente o dia 2, à aceitação e à conscientização sobre o autismo. Seu nome oficial, na verdade, é transtorno do espectro do autismo, e ele se refere a um transtorno do desenvolvimento do cérebro causado por alterações genéticas e, provavelmente, problemas durante o período intrauterino.

    O autismo não é provocado por dificuldades na interação entre a mãe e o bebê, por traumas ou por problemas alimentares, nem é um comportamento aprendido.

    Mais e mais estudos desvendam a cada dia novos conhecimentos sobre essa condição que desafia a todos ao evidenciar a complexidade de um cérebro que, ao mesmo tempo que impede uma pessoa de perceber emoções, dá a ela habilidades de memória e musicais extraordinárias, por exemplo.

    O autismo é um espectro de prejuízos de comunicação e interação social, acompanhado por padrões de interesses e comportamentos rígidos e repetitivos. O termo “espectro” transmite a ideia de que as dificuldades aparecem em diferentes intensidades e de diferentes formas para diferentes pessoas. Ou seja, dois autistas são diferentes entre si, assim como os não autistas.

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    Se pensarmos que as dificuldades sociais do autismo são o extremo da distribuição da habilidade social na população, podemos pensar que o espectro inclui todos nós, desde aqueles que são excelentes em perceber as emoções e intenções dos outros e se comunicar até os autistas propriamente ditos. Por isso a ideia de que todos temos algum grau de autismo.

    As estimativas mais atuais apontam que 2,8% das crianças na faixa dos 8 anos nos Estados Unidos têm autismo. Em 2000, esse número era de 0,7%. O aumento provavelmente é reflexo do maior conhecimento, da maior disponibilidade de serviços, entre outros fatores que favorecem o diagnóstico.

    Como é um transtorno persistente ao longo da vida, e como apenas recentemente vem sendo mais reconhecido, há gerações de autistas, hoje adultos, que não foram diagnosticados na infância. Muitos receberam diagnósticos equivocados e lutam para se colocar no mercado de trabalho e para mascarar suas dificuldades sociais sem tratamento adequado.

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    Outros estão restritos às suas casas, sendo cuidados por pais idosos, sem trabalhar ou se relacionar. Outros ainda estão no mercado de trabalho, mas reclusos socialmente e com comportamentos peculiares, sofrendo por se sentirem inadequados, sem entender porque são do jeito que são.

    + LEIA TAMBÉM: “O autismo é parte de quem sou”, diz cantor

    É claro que o diagnóstico traz o risco de estigma, tanto da sociedade como da família e do próprio indivíduo, mas ele também traz explicações, alivia culpas e permite aceitação. Já transmiti centenas de vezes o diagnóstico de autismo e, na absoluta maioria das vezes, esse foi o início de um percurso de compreensão.

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    Um adulto jovem me disse uma vez que o diagnóstico deu a ele a liberdade para não ir mais a festas onde se sentia torturado pela música alta e pelo olhar e proximidade de tantas pessoas. Outro contou que com o diagnóstico deixou de se sentir uma pessoa anormal para se tornar um autista normal.

    Muito tem sido feito no Brasil para a garantia dos direitos dos autistas, principalmente graças à influência das famílias. Como sociedade, ainda temos um longo caminho na aceitação do autismo. A maior parte dos autistas não recebe o diagnóstico em nosso país, muito menos tratamento.

    De uma forma geral, ainda prevalece a ideia de que os autistas devem se adaptar à sociedade. Por exemplo: as políticas de inclusão em escolas e universidades estão presentes em algumas delas, mas os recursos e o clima institucional para isso acontecer na prática em pouquíssimas.

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    O autismo não é um presente, não é moda. É uma condição de saúde, que pode levar à incapacidade e traz um risco para muitos outros problemas, inclusive morte prematura. Por outro lado, um autista pode ser um presente para sua família e para a sociedade.

    Não é incomum ouvirmos dos familiares que os filhos os fizeram pessoas melhores. E também os colegas de escola e de trabalho, os professores, os vizinhos, que têm a possibilidade de exercer sua humanidade em uma sociedade cada vez mais desprovida dela. Que têm, ainda, a possibilidade de olhar para o mundo através de uma perspectiva diferente e enxergar coisas que jamais veriam.

    Quem se beneficia são também as empresas de tecnologia e engenharia, os ativistas, o exército israelense, núcleos que enxergam as habilidades dessas pessoas e permitem que elas possam contribuir, muitas vezes de forma única, para a sociedade.

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    Abraçando o autismo, não só cumprimos nosso papel de garantir os direitos básicos às pessoas que fazem parte da nossa sociedade. Também nos tornamos mais interessantes, mais completos, mais desenvolvidos, mais humanos.

    * Guilherme Polanczyk é psiquiatra de crianças e adolescentes, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e vice-presidente da Associação Internacional de Psiquiatria da Infância e Adolescência

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