Dedicamos o mês de abril, especialmente o dia 2, à aceitação e à conscientização sobre o autismo. Seu nome oficial, na verdade, é transtorno do espectro do autismo, e ele se refere a um transtorno do desenvolvimento do cérebro causado por alterações genéticas e, provavelmente, problemas durante o período intrauterino.
O autismo não é provocado por dificuldades na interação entre a mãe e o bebê, por traumas ou por problemas alimentares, nem é um comportamento aprendido.
Mais e mais estudos desvendam a cada dia novos conhecimentos sobre essa condição que desafia a todos ao evidenciar a complexidade de um cérebro que, ao mesmo tempo que impede uma pessoa de perceber emoções, dá a ela habilidades de memória e musicais extraordinárias, por exemplo.
O autismo é um espectro de prejuízos de comunicação e interação social, acompanhado por padrões de interesses e comportamentos rígidos e repetitivos. O termo “espectro” transmite a ideia de que as dificuldades aparecem em diferentes intensidades e de diferentes formas para diferentes pessoas. Ou seja, dois autistas são diferentes entre si, assim como os não autistas.
Se pensarmos que as dificuldades sociais do autismo são o extremo da distribuição da habilidade social na população, podemos pensar que o espectro inclui todos nós, desde aqueles que são excelentes em perceber as emoções e intenções dos outros e se comunicar até os autistas propriamente ditos. Por isso a ideia de que todos temos algum grau de autismo.
As estimativas mais atuais apontam que 2,8% das crianças na faixa dos 8 anos nos Estados Unidos têm autismo. Em 2000, esse número era de 0,7%. O aumento provavelmente é reflexo do maior conhecimento, da maior disponibilidade de serviços, entre outros fatores que favorecem o diagnóstico.
Como é um transtorno persistente ao longo da vida, e como apenas recentemente vem sendo mais reconhecido, há gerações de autistas, hoje adultos, que não foram diagnosticados na infância. Muitos receberam diagnósticos equivocados e lutam para se colocar no mercado de trabalho e para mascarar suas dificuldades sociais sem tratamento adequado.
Outros estão restritos às suas casas, sendo cuidados por pais idosos, sem trabalhar ou se relacionar. Outros ainda estão no mercado de trabalho, mas reclusos socialmente e com comportamentos peculiares, sofrendo por se sentirem inadequados, sem entender porque são do jeito que são.
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É claro que o diagnóstico traz o risco de estigma, tanto da sociedade como da família e do próprio indivíduo, mas ele também traz explicações, alivia culpas e permite aceitação. Já transmiti centenas de vezes o diagnóstico de autismo e, na absoluta maioria das vezes, esse foi o início de um percurso de compreensão.
Um adulto jovem me disse uma vez que o diagnóstico deu a ele a liberdade para não ir mais a festas onde se sentia torturado pela música alta e pelo olhar e proximidade de tantas pessoas. Outro contou que com o diagnóstico deixou de se sentir uma pessoa anormal para se tornar um autista normal.
Muito tem sido feito no Brasil para a garantia dos direitos dos autistas, principalmente graças à influência das famílias. Como sociedade, ainda temos um longo caminho na aceitação do autismo. A maior parte dos autistas não recebe o diagnóstico em nosso país, muito menos tratamento.
De uma forma geral, ainda prevalece a ideia de que os autistas devem se adaptar à sociedade. Por exemplo: as políticas de inclusão em escolas e universidades estão presentes em algumas delas, mas os recursos e o clima institucional para isso acontecer na prática em pouquíssimas.
O autismo não é um presente, não é moda. É uma condição de saúde, que pode levar à incapacidade e traz um risco para muitos outros problemas, inclusive morte prematura. Por outro lado, um autista pode ser um presente para sua família e para a sociedade.
Não é incomum ouvirmos dos familiares que os filhos os fizeram pessoas melhores. E também os colegas de escola e de trabalho, os professores, os vizinhos, que têm a possibilidade de exercer sua humanidade em uma sociedade cada vez mais desprovida dela. Que têm, ainda, a possibilidade de olhar para o mundo através de uma perspectiva diferente e enxergar coisas que jamais veriam.
Quem se beneficia são também as empresas de tecnologia e engenharia, os ativistas, o exército israelense, núcleos que enxergam as habilidades dessas pessoas e permitem que elas possam contribuir, muitas vezes de forma única, para a sociedade.
Abraçando o autismo, não só cumprimos nosso papel de garantir os direitos básicos às pessoas que fazem parte da nossa sociedade. Também nos tornamos mais interessantes, mais completos, mais desenvolvidos, mais humanos.
* Guilherme Polanczyk é psiquiatra de crianças e adolescentes, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e vice-presidente da Associação Internacional de Psiquiatria da Infância e Adolescência