O Ministério da Saúde, anunciou, no final do ano passado, a futura implantação de uma Política Nacional de Cuidados Paliativos. Segundo o documento divulgado, a intenção é que o Sistema Único de Saúde (SUS) ganhe uma estrutura mais robusta para atuar junto a pacientes identificados e aptos a receberem este tipo de atenção.
Certamente uma política de cuidados paliativos dará respaldo às dinâmicas na área, mas existem pontos a serem trabalhados, independentemente de leis. Entre eles, a necessidade de mais profissionais capacitados e treinados tanto para compor as equipes multidisciplinares que entrarão em campo como, principalmente, para aculturar os responsáveis por indicar os tratamentos.
Ainda convivemos com muito desconhecimento de causa, preconceito e inverdades sobre cuidados paliativos. A crença de que estão voltados apenas àqueles em estágio terminal é uma delas, quando, de fato, objetivam melhorar a qualidade de vida dos que sofrem com doenças crônicas, amenizando dores e desconfortos.
Mas a confusão não se restringe ao público em geral. Grande parte dos profissionais da saúde não alcança a correta aplicabilidade, e não por acaso: a maioria das escolas de medicina – ou de cursos afins, como enfermagem, por exemplo – não têm cuidados paliativos em suas grades, o que impossibilita a obtenção do conhecimento mínimo necessário para atuação na área.
O Ministério da Saúde reconhece que o mais importante da nova política é a criação de uma cultura de cuidados paliativos. Mesmo com algumas iniciativas específicas no âmbito do SUS – quadros em hospitais gerais e naqueles especializados em câncer e o programa Melhor em Casa, com grupos multiprofissionais com vocação para cuidados paliativos –, o próprio órgão admite que não há atualmente um sistema de credenciamento específico dos serviços, impossibilitando a obtenção de um número exato de equipes e locais que oferecem atendimento.
O ideal seriam times compostos por, pelo menos, um médico, um enfermeiro ou auxiliar de enfermagem, um psicólogo e alguém de serviço social. Mas isso é exceção. Quando há a prestação do serviço de cuidados paliativos, geralmente é apenas o médico e outro profissional que respondem. Equipes maiores são raridade.
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Na cardiologia, em particular, também há um longo caminho a ser percorrido, apesar de os cuidados paliativos serem indicados para cardiopatas crônicos e agudos. Os colegas tendem a acreditar que o recurso é somente destinado a pacientes à beira da morte.
E é fácil apurar os motivos deste pensamento engessado: na nossa área há muitas alternativas para tentar modificar doenças, incluindo medicamentos e intervenções. O cardiologista é formado em uma realidade cheia de estudos, dispositivos invasivos e impactado por uma quantidade de estratégias para impedir o óbito. E o entendimento geral é que os paliativos só servem para quando tudo isso falhou.
Precisamos compartilhar as evidências científicas que comprovam a eficácia dos procedimentos paliativos em cardiologia e isso só é possível com educação. A graduação, a residência médica, a pós-graduação, as aulas em congressos são ferramentas para mudar este status quo de que estes cuidados são o último suspiro diante da impotência de curar. E não é por menos que, desde 20019, mantemos um Grupo de Estudos de Cuidados Paliativos na Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP).
É urgente assimilar e difundir que essa abordagem está aí para aliviar o sofrimento – em vários sentidos e momentos. Precisamos quebrar o paradigma para oferecer às pessoas uma forma digna de viver mesmo frente a doenças incuráveis.
* Daniel Dei Santi é cardiologista e integrante do Grupo de Estudos de Cuidados Paliativos da SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo