Covid-19: vacinar ou vacinar!
É inconcebível qualquer movimento que seja contra a imunização da doença provocada pelo novo coronavírus
Existe um consenso informal no entendimento da maioria das pessoas, que o recrudescimento da pandemia de Covid-19 está sob as sombras das irresponsabilidades de idealistas extremados e jovens imprudentes.
Sem discutir em mais detalhes esses elementos (quase) simbólicos do atual estágio pandêmico, o fato é que entre culpados e parcialmente inocentes estão aproximadamente 200 milhões de brasileiros que ainda não desenvolveram a Covid-19 e, portanto, estão potencialmente suscetíveis à doença, enquanto a totalidade está à mercê dos desdobramentos econômicos, que prometem mais desastres.
Sem qualquer lúcida opção protetiva que não seja a manutenção do distanciamento e as regras de higiene habituais, preceitos os quais são sucumbíveis aos nossos erros ou de outros, nos resta apenas a aposta vacinal, com alguns imunizantes em estágios avançados de pesquisa.
Com o modelo mais promissor, porém, inédito e de maior custo, estão a Pfizer e a Moderna, que utilizam RNA mensageiro (RNAm) viral sintetizado em laboratório, que codifica uma pequena parte das proteínas do invólucro do SARS-CoV-2, mas identifica o vírus com robustez. As células do organismo vacinado produzirão volumoso conteúdo proteico viral, que rapidamente se distribuirá por todo o corpo, despertando o sistema imunológico que iniciará a produção de anticorpos. A memória imunológica é estabelecida e a proteção efetivada, fazendo com que a invasão futura desse agente seja identificada pelo nosso sistema imune, que estará pronto para inativar o processo infeccioso.
Em outra próspera estratégia de imunização está a vacina de Oxford/Astra Zênica que utiliza como vetor o adenovírus atenuado do resfriado comum de chimpanzés, no qual é inserido uma sequência de DNA sintetizada em laboratório a partir do RNA do SARS-CoV-2. Já dentro do núcleo de nossas células esse DNA é transcrito para RNAm, que então, determinará a produção de proteínas virais que desencadearão a cascata de eventos que resultará na imunização.
O recurso de apresentar o vírus inativado ao sistema imunológico é utilizado pela Sinovac Biotech na obtenção da CoronaVac, caminho sabidamente seguro, embora ainda careça dos resultados da fase 3 (prometidos para janeiro) de seus estudos para confirmação de sua eficácia.
A segurança parece total com o inovador imunizante representado pelo RNAm sintético, haja vista que o mesmo age diretamente na fábrica celular de proteínas (ribossomos), localizada fora do núcleo da célula, sem que se aproxime de nosso genoma. Mas, além de caras, possuem logísticas complexas, necessitando temperaturas abaixo dos 70 graus centígrados negativos para aquela da Pfizer e pelo menos 20 negativos para a Moderna, ainda que esta última prometa 30 dias de viabilidade do produto em temperaturas entre 2 e 8 graus.
A variante britânica (Oxford/Astrazenica) se favorece da facilidade logística, dada a fácil preservação em temperaturas de 2 a 8 graus por tempo indeterminado, mas embora seus fabricantes garantam segurança, a necessária entrega de DNA em nossos núcleos celulares suscita a desconfiança de alguns, os quais questionam a possibilidade de incorporação do DNA viral no genoma humano. Muito embora esta hipótese não possua a chancela da comunidade científica, a discussão sobre o tema é recorrente. Sua confirmação, entre as emergenciais alternativas de imunização, foi adiada pela ocorrência de pequeno equívoco no cumprimento protocolar.
A CoronaVac conta com a segurança histórica desse modelo imunizador. Com efeito, se confirmar suas expectativas de eficácia, tornar-se-á opção extraordinária, no que se favorece da fácil preservação entre as temperaturas de 2 e 8 graus, com custo bem mais interessante que aqueles de Pfizer e Moderna.
Os próximos meses e anos nos dirão muito, assim como nos responderão muitas perguntas, incluindo uma possível imunização protetora quanto à doença, porém, permissiva à permanência variável do vírus em narinas e orofaringe, mantendo a capacidade de transmissão viral, dúvida que por enquanto não permite a aposentadoria pós vacinal de nossas máscaras.
Entendo, porém, que para aqueles do lado de fora dos grupos menos incomodados com os riscos de morte pelo SARS-CoV-2, ou, que não possuam a conspirativa convicção (aparente) dos radicais, as opções citadas são bem razoáveis e quem sabe, se tornem redentoras.
É condenável a mescla intencional de vieses ideológicos com deduções pessoais de observações científicas, seus autores dispensam as rigorosas deduções estatísticas para se agarrarem às exceções, aquelas cartesianamente dispensadas pelos cientistas.
Findo este artigo admitindo legitimidade no direito individual em assumir riscos e desde que os possíveis danos não se estendam a outros, comungo com a não obrigatoriedade da vacina, ao tempo que confesso, do fundo de minha apolítica alma, procurar o lugar da fila mais próximo da agulha imunizante.