Um estudo recente da Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa (Afip) aponta para um aumento na presença de bactérias super-resistentes em hospitais brasileiros. De acordo com a pesquisa, 6,5% das 71.064 amostras coletadas em unidades de saúde em 2023 testaram positivo para microrganismos resistentes a antibióticos, um aumento em relação aos 6% de positividade registrados em 2022, quando foram analisadas 58.065 culturas de vigilância. Estes dados foram apresentados no congresso da Associação para Diagnósticos e Medicina Laboratorial (ADLM), realizado em Chicago, no início de agosto.
Além do crescimento na taxa de positividade, o estudo revelou uma mudança significativa no perfil das bactérias identificadas. Em 2022, as espécies do gênero Klebsiella representaram 60,5% das amostras positivas, seguidas por Enterococcus (16%) e Acinetobacter (13,6%). No entanto, em 2023, Klebsiella correspondia a 53,1% das amostras positivas, enquanto Acinetobacter saltou para 24,1% e Enterococcus caiu para 10%.
Diversos fatores contribuem para esse aumento. Um dos principais é o uso indiscriminado de antimicrobianos, tanto dentro dos hospitais quanto na comunidade em geral. Prescrições desnecessárias, como o uso de antibióticos para tratar infecções virais e o uso empírico de antibióticos sem a devida orientação por culturas e testes de sensibilidade são práticas que aceleram o desenvolvimento de resistência.
Outro fator relevante é a crescente mobilidade social, que facilita a disseminação de genes de resistência, como já observado em estudos sobre esgotos de aviões. Além disso, o uso indiscriminado de antibióticos na agropecuária – em animais como aves, bovinos, suínos e até mesmo em peixes e animais domésticos – também contribui para o agravamento do problema.
A capacidade das bactérias de desenvolverem resistência, seja por “pressão seletiva”, aquisição de genes resistentes ou mutações genéticas, supera em muito o ritmo de descoberta de novos antimicrobianos. Essa disparidade é preocupante, pois, segundo estudos, até 2050, as mortes causadas por infecções provocadas por bactérias multirresistentes poderão superar os óbitos por câncer.
As consequências são substanciais. Para os pacientes, isso pode significar um aumento na mortalidade, mais tempo de internação e complicações secundárias mais graves. Para o sistema de saúde, o impacto é sentido no aumento dos custos, seja pela necessidade de usar antibióticos mais potentes e modernos, seja pelo prolongamento das internações.
Os laboratórios de microbiologia enfrentam desafios como a falta de recursos, baixa remuneração dos exames e a escassez de profissionais especializados, o que dificulta a identificação e o monitoramento dessas bactérias, comprometendo a eficácia no combate a essa crescente ameaça.
Diante desse cenário, é essencial fortalecer as medidas de controle e prevenção nos hospitais brasileiros, como as implementadas pelos Serviços de Controle de Infecção Hospitalar, que incluem a higiene rigorosa das mãos, uso de luvas, isolamento de pacientes e controle de ambientes cirúrgicos. Além disso, o controle criterioso do uso de antibióticos de amplo espectro e a adoção de terapias baseadas em exames de cultura e testes de sensibilidade são cruciais.
*Andre Mario Doi é médico patologista clínico e diretor científico da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML)