A saúde mental da mãe atípica: desafios e caminhos para o cuidado integral
Perfil materno apresenta prevalência elevada de depressão, ansiedade e estresse; políticas públicas devem contemplar suporte psicológico às mães

A maternidade já é, por si só, uma jornada emocionalmente complexa. Para mães que cuidam de crianças com necessidades especificas — como transtorno do espectro autista (TEA), deficiências do desenvolvimento ou condições crônicas — essa jornada se torna ainda mais desafiadora. Acumulam-se demandas médicas, terapêuticas, educacionais, além de burocracias e adaptações constantes. Estudos recentes demonstram que esse perfil materno apresenta prevalência elevada de depressão, ansiedade e estresse, o que torna urgente que o cuidado à saúde mental dessas mulheres seja uma prioridade.
Um estudo com quase 2.000 mães de crianças com autismo revelou que 35,8% delas apresentavam sintomas concomitantes de depressão e ansiedade. Fatores como maiores gravidade dos sintomas no filho, uso de medicamentos psiquiátricos pela criança e desemprego da mãe elevaram o risco.
Outra pesquisa identificou que cerca de metade das mães de crianças com autismo mantinham níveis elevados de sintomas depressivos durante um período de 18 meses, em contraste com mães de crianças sem diagnóstico, cujas taxas ficavam entre 6% e 13,6%.
Esses dados apontam para fatores de risco que precisam ser levados em conta: condição clínica do filho (gravidade, comportamentos problema, comorbidades), fatores socioeconômicos (renda, emprego, condições de vida), suporte social e familiar, habilidades pessoais de enfrentamento. Por outro lado, resiliência, bom funcionamento familiar e estratégias práticas de coping atuam como fatores protetores.
Quanto às intervenções, embora muitas mostrem efeito modesto, existe evidência de que programas que trabalham com autoestima materna, confiança parental e suporte psicológico podem melhorar o bem-estar.
A história da mãe de três Thaissa Alvarenga, que teve seu primeiro filho com síndrome de Down, foi buscar olhar de outra forma para a condição do seu primogênito.
“Lançar um blog após o nascimento dele e contar a todos o que precisamos para o desenvolvimento de uma criança com deficiência precisa me ajudou muito a não ter uma depressão pós parto”. O blog foi um sucesso e em 2018 se tornou o Instituto Nosso Olhar, que mobiliza, acolhe e educa famílias. “Sempre falo que sou mãe de três crianças que são únicas, como meus dedos e que olho para cada uma delas na sua potencia e de forma única. Precisamos humanizar as relações e principalmente dessas famílias que são ditas minorias para precisam ser vistas, acolhidas e inseridas de fato na sociedade.”
No Brasil, segundo o dado do IBGE de 2022, mais de 18,6 milhões de brasileiros vivem com alguma deficiência e 2 milhões estão no espectro autista. Isso já traz um olhar importante para a saúde física e mental dessas famílias.
Um outro olhar para o acolhimento das famílias é olhar para a primeira infância dessas crianças atípicas e suas famílias. Esse período é mais importante que a faculdade, um alicerce potente no desenvolvimento dessas crianças que precisam de ferramentas diferenciadas. É fundamental olhar para as crianças e ter um cuidado amplo com a família e a mãe que já está em uma situação emocional delicada.
Falo que, toda vez que olhar para uma criança atípica, pense que ela tem um nome, sobrenome, desejos, emoções, seus sonhos e diretos. Uma família e uma mãe. Todos são diferentes e podem ser felizes. E olhar para a saúde mental de todas as pessoas é um passo importante para isso.
As recomendações para o cuidado
- É fundamental que serviços de saúde infantil incluam avaliação da saúde mental materna como parte do cuidado integral
- Políticas públicas devem contemplar suporte psicológico, financeiro e comunitário para mães atípicas
- Formação de profissionais de saúde para reconhecer sinais de sofrimento materno, oferecer escuta especializada e encaminhamento adequado
- Fomentar grupos de apoio, redes comunitárias, programas de psicoeducação para mães e famílias
- Incentivar pesquisas locais (Brasil, América Latina) que avaliem prevalência, intervenções adaptadas ao contexto cultural, possíveis barreiras ao acesso ao cuidado
*Adriane de Abreu Mattos Yamamoto é pediatra especialista em transtornos do neurodesenvolvimento e endocrinologista