No seu conceituado estudo que aborda a exclusão dos negros nos espaços públicos e privados (sobretudo nas instituições republicanas), a professora Cida Bento define como pacto narcísico um tipo de sistema de constituição, proteção e garantia de privilégios que tem como elemento central o fortalecimento e manutenção da branquitude.
Por seu turno, aqueles que se debruçam sobre o estudo da branquitude definem justamente o pacto narcísico como a estrutura formadora desse verdadeiro estado psicológico e mental aut- impingido que define e determina os brancos como os verdadeiros e únicos merecedores de todos os benefícios, privilégios e oportunidades sociais. Seja porque integram um determinando grupo estético racial, político, cultural e economicamente possuidor de valores positivos naturalmente determinados, seja porque e por conta disso, sendo distintos e diferenciados dos demais membros do grupo social que não são portadores das condições e pressupostos desse pertencimento e filiação, são eles necessariamente superiores e todos os demais obrigatoriamente inferiores.
Por conta disso é da natureza e do funcionamento desse sistema de valores fechar as portas e repelir qualquer tipo de representação que contrarie seus valores fundantes e, principalmente reagir e expelir qualquer ameaça ao seu funcionamento, sustentação e longevidade. Lutar pela sua defesa e proteção é lutar pela garantia da sua justa e inelutável existência.
A recente pesquisa que traça o perfil étnico racial dos promotores e procuradores realizada pelo IPEA e Universidade de Lisboa e tornada públicas pela Conselho Nacional do Ministério parece cumprir de forma arrebatadora a eloquência desses argumentos: 82% dos 13 mil promotores e procuradores são brancos e, das cinco mil promotoras e procuradoras, somente 81 delas são mulheres negras. E para fechar a conta 16% é a taxa de negros nos postos de gestão do referido órgão.
Num país em que a isonomia e equidade perfilam como alicerces da igualdade e da justiça entre indivíduos, num país onde existe uma constituição que define como crime o racismo, e num país que há mais de anos existe uma lei determinando que 20% das vagas são obrigatórias para negros nos concursos públicos para o Ministério Público, há de se perquirir porque dez anos depois da vigência da Lei, o Ministério Público, constitucionalmente o fiscal da lei, não conseguiu cumpri-la e nem fazê-la cumprir integralmente.
Não havia necessidade de uma pesquisa confirmar o que sempre soube a olho nu para que se conheça a impotência e incapacidade do Ministério Público de garantir a igualdade e diversidade racial equitativa. Todavia, ela torna a evidência cientifica inominada, a certeza de que o colendo órgão precisa fazer muito mais, com mais efetividade, mais assertividade e de forma muito mais propositiva e convicta para definitivamente tornar-se moderno, dinâmico, enriquecido, diverso e igualitário.
Por enquanto, e agora com a confirmação da ciência, quando confrontamos os dados da importante pesquisa com a lembrança de que os negros são 56% dos brasileiros, que o princípio democrático reza que ninguém pode ser limitado ou impedido de acessar de forma igualitário e isonômica as oportunidades sociais, e, que, o princípio da não discriminação, informa que ninguém pode ser distinguido por conta da raça e cor no mercado de trabalho público e privado, restam elementos de sobra para concluir que no Ministério Público do nosso país, o negro não entra, somente espia.