Herói diz-se daquele cuja coragem, bravura, talento e habilidade estupenda tenha realizado feitos tão fantásticos que pela sua imponência e grandiosidade além de povoar o imaginário coletivo se estabelece como arquétipo a ser imitado e a glória a ser alcançada. Justamente, por isso, diz-se com precisão que a envergadura e grandiosidade de uma cultura e mesmo o grau de civilidade de um país pode ser medido pela forma como todo seu povo valoriza, celebra e reverencia seus heróis.
Pelé foi corajoso quando acreditou e investiu nos ideais futebolísticos aos quinze anos de idade e mágico quando com seu talento, habilidade, ginga e criação aprimorada conduziu seu time do coração e a Seleção Brasileira, para as glórias inimagináveis para um país de terceiro mundo com equipes de futebol forradas de jovens negros, pobres, periféricos e até analfabetos. Foi bravo quando aos dezesseis enfrentou valentemente todos desconhecidos e poderosos inimigos dos times adversários de várias partes do mundo e, aos 17 anos, tornou-se campeão mundial de futebol.
Por onde passou, Pelé inundou de alegria onde havia tristeza e levou a paz e concórdia onde havia conflito e hostilidades. Denunciou e combateu o racismo contra os negros brasileiros, apontou o abandono e exigiu proteção das crianças, defendeu a escola para todos, valorizou o conhecimento e a educação, colando grau universitário no auge da fama, quando ainda hoje muitos jogadores e atletas desprezam e fogem dos bancos escolares.
Pelé foi generoso ao emprestar seu prestigio e fama para fortalecer e dar autonomia ao Ministério do Esporte e foi altruísta quando jogou todo seu peso politico e brilho pessoal para aprovar a lei Pelé e libertar os atletas do estado de servidão. Pelé foi benevolente e consequente ao abrir as portas dos ministérios e dos cargos de prestigio para os negros que vieram depois.
Mas se Pelé é nosso herói e rei grandioso e incontestável porque nenhum dos grandes do futebol que vieram depois e atravessaram as pontes que ele construiu e usufruíram da marca de excelência do futebol brasileiro que ele imortalizou não compareceram para velar eu corpo e conduzir ao túmulo seu caixão? Porque a maioria dos demais campeões de antes e depois sequer enviou um coroa de flores?
Se sua cor negra contradisse o cerne das ideologias racistas, resistiu e superou a desumanização do racismo e da discriminação e levou a potência da arte, da ginga, do talento e da capacidade do negro brasileiro para ser admirada e venerada em todo o planeta porque nenhum dos ministros negros desceu do avião que trouxe o presidente Lula ao velório? Porque nenhum grande parlamentar, artista ou personalidade negra?
Se ele é o esportista do século e o melhor dos nossos qual seria outra prioridade para a esportista e ministra dos esportes e demais secretários estaduais e municipais de esportes, presidentes de federações senão se juntarem ao presidente da FIFA, da Conmebol e da CBF para transmitir um último adeus ao Rei? Afinal, se herói é porque sequer um tucano da Marinha ou Aeronáutica saiu do solo?
Se fez tanto por todos e se o mundo o celebra e reverencia o tudo que fez, porque só o povão teve a disposição e a humildade de permanecer horas a fio nas filas quilométricas do velório? Porque somente ele teve a generosidade de verter suas lagrimas e a gratidão de aplaudir e gritar o nome do rei até sua última morada? Porque somente alguns? Sem conseguir responder essas perguntas e modificar suas respostas nenhum rei ou herói brasileiro genuíno conseguirá descansar em paz e nós brasileiros permaneceremos presos no passado involutivo e em guerra permanente como nossas ambiguidades, contradições, egoísmos, vaidades e personalismos. E, logicamente sem heróis para reverenciar. Herói é herói e o rei Pelé precisa ser celebrado e reverenciado como herói de todos nós.