A força juvenil que conquistou uma reparação histórica em São Paulo
Fazia sentido termos uma rua em São Paulo homenageando o bandeirante que aniquilou o Quilombo dos Palmares?
Além de iluminar as ideias e desvendar por inteiro a realidade e o universo, o conhecimento precisa ter capacidade de estimular as pessoas e, sobretudo, os jovens a se preocuparem e se comprometerem com necessidade de promover a mudança e transformação do mundo à sua volta. Principalmente quando esse mundo estiver estruturado em premissas que contraponham e distorçam os sentidos mais delicados dos valores civilizatórios e do senso inexpugnável da correção e da justiça.
E, mudança e transformação são no fundo consciência do compromisso com a cidadania e reconhecimento de que é preciso trabalho, ação e determinação para fazer construir a tessitura da prevalência dos argumentos e se dedicar ao trabalho democrático e republicano de reivindicar e mesmo exigir a reformulação daquilo que por sua contradição e incoerência esteja definitivamente impedido de se justificar e de ser mantido.
Foi com espírito e entendimento que os jovens da Universidade Zumbi dos Palmares compreenderam a responsabilidade do seu alto grau de consciência duramente apreendido nos bancos escolares e, da mesma forma, a percepção de que a realidade à sua volta, pela incongruência e insustentabilidade, exigia ser modificada. Eles construíram a vitoriosa campanha Zumbi Resiste que contestou a nomeação da Rua Domingos Jorge Velho nas proximidades da sede da Universidade, na Zona Norte da cidade de São Paulo.
Depois de mais de 350 anos de escravização, humilhação, vilipêndio e desumanização e, depois de mais de 135 de uma abolição suportada na descriminação racial, apagamento, inferiorização e demonização da sua estética, sua religiosidade e sua cultura, o negros merecem com exatidão e sem nenhum favor um tratamento digno e salvo de qualquer agressão real ou simbólica que remetam e revolvam ao seu sofrimento. É isso o mínimo exigível e isso o mínimo que se espera. Ao final, que coerência poderia haver na manutenção da nomeação do nome da rua como homenagem aquele personagem histórico que mais caçou e assassinou escravos negros a soldo de terceiros e com requintes de crueldade? Ao personagem que invadiu, destruiu e assassinou o líder negro e herói nacional Zumbi dos Palmares? Que lógica poderia sustentar essa contradição, quando a cidade, o estado e o país promovem um esforço descomunal para reconstruir seus valores históricos e extirpar da sua narrativas oficial e simbólica a celebração do racismo, da intolerância racial, da violência e da brutalidade, e principalmente, da agressão aos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana? E, que justificativa poderia haver quando essa agressão que desrespeita e insulta a honra e dignidade de negros e negras, se materializa, ali , na frente de uma construção que denuncia, enfrenta e combate justamente esses símbolos e suas simbologias?
O povo de São Paulo concordou que era preciso transformar a história da cidade e, através de seus representantes, aprovou a lei que substitui o nome Domingos Jorge Velho pelo nome de Zumbi dos Palmares. Antes disso, ele já havia ganho um feriado municipal e depois um feriado estadual. Com a ocupação, ações culturais e posicionamento e reivindicação política e debate democrático aguçado, os meninos da Universidade Zumbi dos Palmares venceram e mudaram a realidade à sua volta: a Rua Domingos Jorge Velho, caçador, assassino de negros escravizados a mando de poucos, é agora Rua Zumbi dos Palmares, herói negros de todos nós. Nossa instituição está honrada e enganada com o grau de consciência, luta e compromisso dos seus jovens estudantes negros e brancos. Está sendo cumprida sua missão. Viva a rebeldia e o ímpeto juvenil. Viva a Rua Zumbi dos Palmares