Um retrato inédito da corrupção no governo federal desenhado por 22,1 mil servidores, ampla maioria (80,5%) concursada e com direto à estabilidade no emprego. É o que mostra uma pesquisa realizada entre abril e maio deste ano pelo Banco Mundial, com apoio da Controladoria-Geral da União, do Ministério da Economia e da Escola Nacional de Administração Pública.
A maioria (55,9%) dos servidores relata que durante a crise sanitária da Covid-19 continuaram iguais ou aumentaram as práticas antiéticas, como interferência política nas decisões dos órgãos governamentais [Clique aqui para obter uma cópia]. Nesse período, cresceu a percepção (50,6%) sobre os conflitos de interesse entre os serviços público e privado.
Parte dos servidores (22,4%) relata que na pandemia aumentaram as decisões sobre contratação e compras realizadas com pouca transparência e sem prestação de contas (22,4%). Notou-se (22,2%) ainda uma intensificação das atividades de lobby privado nas áreas-chave do setor público.
Quase metade (47,6%) dos servidores federais acredita que seus colegas praticam atos antiéticos. Dividem-se quanto à proporção dos envolvidos: eles são poucos (para 34,5%), a minoria (12,8%) acha que são muitos e um pequeno grupo (0,3%) considera todos antiéticos.
Denunciar corrupção nos órgãos públicos é atitude de alto risco. Um de cada dois funcionários federais se diz absolutamente inseguro para denunciar atos ilícitos de outros servidores.
Há consenso sobre a relevância dos programas de integridade (compliance), mas poucos (31,3%) receberam algum treinamento. Ainda é reduzida a preocupação dos burocratas-chefes com a promoção de programas sobre ética — só uma parte (36%) dos servidores reconhece nos dirigentes dos escritórios em que trabalham algum empenho em manter regularidade no treinamento.
O retrato da ética no governo, traçado pelos servidores nessa pesquisa, sugere uma desconexão entre a realidade e a retórica permanente de Jair Bolsonaro sobre uma suposta “neutralização” da corrupção nos ministérios e órgãos federais.
Indica, também, que a CPI do Senado provavelmente só levantou a ponta de um véu que encobre a interferência política em negócios estatais obscuros realizados durante a emergência pandêmica.