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Parlamentares gastaram R$ 23,4 bilhões, mas não existem documentos

Congresso não revela dados sobre o orçamento paralelo e alega "inexistência de documentos" sobre gastos de R$ 23,4 bilhões com emendas parlamentares

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 26 nov 2021, 08h00
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  • Insondável mistério: R$ 23,4 bilhões em dinheiro público foram gastos nos últimos 22 meses, mas não existem documentos sobre essas despesas.

    Foi o que disseram, por escrito, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, ao Supremo Tribunal Federal.

    É um volume monumental de recursos. Equivale ao que já foi gasto na Saúde neste ano para conter a pandemia da Covid-19, incluindo a compra de vacinas (duas doses) para 212 milhões de brasileiros.

    As verbas foram extraídas do Orçamento da União, como emendas parlamentares, numa operação combinada entre o Centrão e o Palácio do Planalto para assegurar maioria legislativa a Jair Bolsonaro. Foi usado um mecanismo sem qualquer transparência, a rubrica orçamentária “emendas de relator” (código RP-9).

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    O agenciamento com deputados e senadores — alguns da oposição — foi conduzido pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, em coordenação com chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI).

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    (Reprodução/VEJA)

    Isso semeou desconfiança, deformando as relações nos plenários do Congresso. Por lei, cada um dos 584 parlamentares tem direito a indicar, por emenda ao orçamento, investimento de R$ 15 milhões.

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    A isonomia foi liquidada pela engrenagem montada por Bolsonaro, Lira e Nogueira em privilégio de parlamentares que ajudavam a aprovar projetos do governo. Eles garantiam maioria ao governo e, em troca, recebiam verbas milionárias para investimentos em obras que consideravam relevantes para sua reeleição no próximo ano. Em segredo, protegidos no anonimato da rubrica “emenda de relator”.

    No Congresso, passou a prevalecer a percepção de que alguns parlamentares eram menos iguais que outros, embora a lei garanta a todos um mesmo peso específico — um parlamentar, um voto.

    Entre deputados e senadores, se tornou frequente a lembrança do Mensalão do governo Lula, quando a maioria governista era construída fora do orçamento, com malas de dinheiro. Para esses, com as milionárias e nada transparentes ‘emendas de relator’, Bolsonaro, Lira e Nogueira resgataram a concepção do Mensalão — desta vez, sem malas de dinheiro, mas “por dentro” do Orçamento da União.

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    Alguns partidos contestaram a prática, e o Supremo mandou destampar a caixa de segredos. Deu ordem para expor informações completas sobre esse orçamento paralelo até à segunda-feira 6 de dezembro.

    Especificou, com base no princípio da publicidade exigido pela Constituição, a necessidade de se divulgar detalhes de todos os repasses de recursos realizados nos últimos 22 meses, com nomes dos parlamentares envolvidos, a rota do dinheiro, o destino, os beneficiários e os eventuais intermediários.

    Ontem, porém, os chefes do Congresso jogaram a toalha. Disseram ao tribunal que não têm meios para cumprir a ordem de publicidade à destinação das emendas por “impossibilidade fática e jurídica”.

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    A inviabilidade “resulta da inexistência de documentos que registrem essas solicitações [de deputados e senadores]” realizadas “pelos mais diversos meios (inclusive informais)”.

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    (Contas Abertas/ Siafi/VEJA)

    Pacheco e Lira qualificam essa prática informal no manejo de recursos públicos como “a maneira que se estabelecem as atividades de representação política e as negociações político-partidárias”.

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    Alegam que “não havia e não há” base legal sobre procedimentos específicos que prometem estabelecer seguir, a partir de hoje. Porém, argumentam, é inviável documentar todos os repasses de dinheiro feitos nos últimos 22 meses.

    A cúpula do Congresso quer apagar o passado. A revelação dos nomes dos parlamentares, intermediários e métodos envolvidos nas transferências, muito provavelmente, resultaria num escândalo bilionário, com potencial de graves consequências políticas. Sabe-se, por exemplo, que o fluxo de liberação das verbas era controlado de forma manuscrita, no caderno de uma assistente parlamentar que frequentava o Palácio do Planalto.

    É impossível prever a reação do Supremo ao descumprimento da decisão judicial anunciada por Pacheco e Lira. Mais difícil é imaginar que alguém consiga apagar a memória e os rastros de gastos de R$ 23,4 bilhões em dinheiro dos impostos, sem transparência e às vésperas de um ano eleitoral.

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