
Jair Bolsonaro acha que o adversário Lula, do PT, andou bebendo na fonte da soberba, perdeu a “humildade” e supõe já ter garantido a vitória na eleição.
“O cara chega e acha que a urna deu para ele os votos”, comentou em tom de ironia e de incomôdo. “Sapiência, cultura… O cara sabe de tudo. Entende do alfinete ao foguete, não tem mais humildade. Não conversa mais com o povo. Conversar com o povo para quê? Conversar com imbecis? É o que vocês são para essas pessoas” — disse ontem a um grupo de pessoas, entre elas alguns seguidores.
Criticar, fazer propaganda negativa e aplicar o mandamento da ética ao oponente é parte do jogo político. Bolsonaro, no entanto, tem o costume de pregar a aniquilação de adversários.
Ontem em São Paulo, diante de uma plateia de comerciantes, disse o seguinte, dirigindo-se também ao ministro Paulo Guedes, da Economia: “Agora tá todo mundo reunido ao lado do ‘nine’ [alusão pejorativa a Lula] para organizar a campanha dos caras, pô. A vantagem que a gente tá vendo nisso tudo, é que tudo que não presta tá se juntando. Igual, Paulo Guedes, em 2018, quando juntou aquele montão de candidatos, e eu falei: ‘É bom que um tiro só mata todo mundo ou uma granadinha só mata todo mundo.’ (…) Até já falam que eu vou ser preso. Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso.”
Bolsonaro pode até se achar engraçado, mas não é. Numa campanha eleitoral virulenta, como a atual, sua mensagem — transmitida pela rede de televisão estatal — pode acabar servindo de estímulo a malucos. Tem o dever de consciência, porque foi vítima de um atentado às vésperas do primeiro turno, em 2018. Não tem direito ao refúgio em aparente ironia.
Na campanha anterior fazia coisa semelhante. Num comício no Acre usou o tripé de uma câmera de vídeo para simular metralhadora: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre! Vamos botar esses picaretas pra correr do Acre!”.
Sua ‘folha corrida’ é longa. Era deputado, em 1998, quando subiu à tribuna da Câmara para sugerir o “fuzilamento” do então presidente Fernando Henrique Cardoso, simplesmente porque discordava da política salarial do governo.
Bolsonaro dorme “com uma arma do lado”, só sai de casa cercado por uma dúzia de guarda-costas, e mobiliza equipes de agentes do serviços secretos das Forças Armadas, da Abin, da Polícia Federal e da Polícia Militar quando viaja. Tudo pago com dinheiro público.
Sabe exatamente o significado da palavra “alvo”. Com a insistência nesse tipo de piada de mau gosto se arrisca à eventual cumplicidade por incitação. Na melhor hipótese, se expõe no picadeiro político como histrião da própria tragicomédia.