Três meses atrás, no sábado 15 de junho, Lula estava em Borgo Egnazia, Puglia, sul da Itália. Reuniu-se com os principais executivos do grupo Enel e, à saída, anunciou a disposição do governo federal de manter a concessão da Enel para exploração de serviços de energia a 10 milhões de clientes em São Paulo e no Ceará.
“A gente está disposto a renovar o acordo”, disse Lula, “se eles assumirem o compromisso de fazer investimento, e eles assumiram o compromisso”. Explicou: “Ao invés de investirem R$ 11 bilhões, eles vão investir R$ 20 bilhões nos próximos três anos, prometendo que não haverá mais apagão em nenhum lugar em que eles forem responsáveis.”
No mês seguinte, o executivo-chefe da Enel, Flavio Cattaneo, acompanhou o presidente italiano Sergio Matarella numa visita a Lula, em Brasília. “Reafirmaram ainda mais esse acordo”, confirmou a empresa, que tem cerca de 23% do capital sob controle do governo e se define como “empresa líder na geopolítica da Itália”.
“Esse ano não teremos problema energético”, celebrou em setembro o Alexandre Silveira, ministro das Minas e Energia, após uma reunião em São Paulo com o ministro do Meio Ambiente e Segurança Energética da Itália, Gilberto Prichetto Fratin, sobre a “melhoria da qualidade” dos serviços da Enel em São Paulo.
Na tarde de sexta-feira passada (11/10), Silveira estava em férias e Lula fazia comícios no Ceará quando um temporal derrubou árvores e provocou o desligamento da rede de abastecimento da empresa italiana para mais de dois milhões de residentes na capital paulista. Foi o terceiro apagão da Enel em São Paulo nos últimos doze meses.
Nesta segunda-feira (14/10), com 72 horas de apagão na cidade, o governo aparentava ter perdido o rumo diante da nova crise. Com Lula emudecido, Silveira foi para a linha de frente com a melhor arma que encontrou para defender do governo: culpou Enel, Aneel e prefeitura não necessariamente nessa ordem.
O ministro abstraiu o ministério e a presidência. Nem mencionou a alternativa de aterramento da rede elétrica, cujos custos a prefeitura paulistana estima em 20 bilhões de reais, o equivalente ao investimento da Enel anunciado por Lula.
São Paulo tem cerca de 600 mil árvores é insuficiente para a cidade, que continua a aparecer como grande massa cinzenta nas imagens de satélite. O temporal de sexta-feira derrubou 383 plantas na contagem da prefeitura. E metade dos apagões na cidade, segundo o ministério, têm como causa a queda de árvores sobre a rede elétrica.
O ministro preferiu mirar no prefeito Ricardo Nunes (MDB), que disputa a reeleição contra o candidato escolhido por Lula, Guilherme Boulos (Psol): “O prefeito aprendeu rápido com o seu concorrente aqui, Pablo Marçal, campeão das fake news e da falsificação de documento público, quando ele fez uma fake news, dizendo que nós estávamos tratando da renovação da distribuição da Enel.”
É uma crise em que todos têm razão, principalmente os milhões de clientes da Enel. Mas Silveira inovou na autodefesa: desmentiu em público um anúncio feito por Lula três meses atrás, publicamente e na sua presença.