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Naufrágio

Como foi o choque de Bolsonaro com os chefes do Exército e da Aeronáutica

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 nov 2024, 12h48 - Publicado em 29 nov 2024, 06h00

Se as paredes do Palácio da Alvorada falassem… Como teimam em seguir silentes, a Polícia Federal foi à luta para reconstituir algumas das mais reservadas reuniões de Jair Bolsonaro, depois da derrota para Lula no domingo 30 de outubro. Conseguiu com depoimentos e acesso a farta documentação em texto, áudio e vídeo.

O primeiro encontro com chefes militares aconteceu na terça-feira nublada de 1º de novembro, recorda o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, então comandante da Aeronáutica. Ao seu lado na mesa estavam os comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Marinha, almirante Almir Garnier Santos. Bolsonaro ficou entre o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e um civil, Bruno Bianco, chefe da Advocacia-Geral da União.

Primeiro presidente no cargo a perder a reeleição, Bolsonaro lembrava um náufrago impaciente com o resgate que nunca chegava. O chefe da Marinha e o ministro da Defesa eram reconhecidos entusiastas do salvamento pela insurreição nos quartéis, supostamente para manter o antigo capitão no poder, mas o Exército e a Aeronáutica não embarcavam. Bolsonaro provocou sobre a tese de fraude eleitoral.

“Não houve fraude”, respondeu o brigadeiro Baptista Júnior. Citou o relatório da comissão das Forças Armadas criada por Bolsonaro para “fiscalizar” as urnas eletrônicas: “Em todos os testes realizados (no primeiro turno) não se constatou qualquer irregularidade”. Freire Gomes acrescentou: “Aliás, como o senhor sabe…”.

Todos na mesa sabiam da ordem para não divulgar o relatório atestando a regularidade da votação antes do segundo turno eleitoral. O comandante do Exército sugeriu “acalmar” o país. Bolsonaro, então, perguntou ao advogado-geral o que poderia ser feito para contestar o resultado das urnas. Bianco foi objetivo: diante das evidências de integridade do processo, não havia “alternativa jurídica” para protesto.

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“Como foi o choque de Bolsonaro com os chefes do Exército e da Aeronáutica”

Uma semana depois, Bolsonaro mandou chamar Mario Fernandes, general da reserva na função de secretário presidencial. Radical na defesa de um golpe de Estado, Fernandes falou sobre o acampamento diante do Quartel-General do Exército, em Brasília, e relatou contatos com o Comando de Operações Especiais. Estava com dois textos impressos. Um era uma carta ao comandante do Exército: “Contamos com um Evento Disparador, como no passado!”, dizia. “É agora ou nunca mais, COMANDANTE, temos que agir!” Outro era o rascunho de um plano com o título “Punhal Verde Amarelo”, com procedimentos para o golpe e detalhes sobre prisão, sequestro e triplo assassinato — dos eleitos Lula e seu vice, Geraldo Alckmin, e do juiz Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Era quarta-feira 9 de novembro. Pouco antes, um grupo de manifestantes organizado por Fernandes ouviu Bolsonaro no jardim do Alvorada: “Estamos vivendo um momento crucial”, ele disse. “Uma encruzilhada, um destino que o povo tem que tomar. Quem decide o meu futuro, pra onde eu vou, são vocês! Quem decide pra onde vai (sic) as Forças Armadas são vocês!”

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Três dias depois, no sábado, 12 de novembro, o plano foi “aprovado” em reunião na casa de Walter Braga Netto, general da reserva e candidato a vice-presidente derrotado. O ajudante de ordens de Bolsonaro, coronel Mauro Cid, detalhou as conversas em delação premiada.

Em dezembro, Bolsonaro fez seguidas reuniões com chefes militares para apresentar rascunhos de decretos sobre “estado de sítio”, “estado de defesa” e “garantia da lei e da ordem”. Almir Garnier, comandante da Marinha, sempre dizia estar “à disposição” com tropas e tanques. O general Freire Gomes repetia: “O Exército não participaria”. O brigadeiro Baptista Júnior insistia: “Não há qualquer hipótese de o senhor permanecer no poder quando terminar o mandato”. Num desses encontros, na biblioteca do Alvorada, o comandante do Exército falou sobre os riscos de “responsabilização penal” de Bolsonaro. Subiu o tom, advertindo que, se tentasse um golpe, “teria de prender o presidente da República”.

Não adiantou. Antes do Natal, o ministro da Defesa chamou os comandantes. Recebeu-os com um papel, dizendo ser a minuta de decreto presidencial “para conhecimento e revisão”. O brigadeiro Baptista Júnior exasperou-se: “Esse documento prevê que o presidente eleito não assuma? Se é assim, não admito sequer receber esse documento”. O general Freire Gomes também disse que não admitia “a possibilidade de analisar” o papel. O ministro Paulo Sérgio não respondeu, o almirante Garnier continuou calado. O brigadeiro saiu da sala. O náufrago continuaria impaciente. Sem resgate.

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Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 29 de novembro de 2024, edição nº 2921

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