Lula tropeça na crítica dos mais pobres e dos nordestinos
Ele isenta o governo e culpa quem vende alimentos — produtores e comerciantes — pelo avanço da inflação. Pesquisa mostra piora na avaliação dos eleitores

“Tá filmando? Pega tudo que eu vou falar” — no domingo (26/1) ensolarado, Lula passeava de chapéu de palha e camiseta pela horta da Granja do Torto, residência oficial nos arredores de Brasília. Entre pés de pimenta, almeirão, alho poró, tomate e cenoura, resolveu gravar um vídeo sobre o avanço da inflação dos alimentos. Ela está corroendo seus índices de popularidade, mostram pesquisas, neste começo da campanha para a eleição presidencial do ano que vem.
“O dado é o seguinte”, disse ao exibir uma pimenta vermelha, “ao chegar nessa horta eu comecei a pensar nos preços dos alimentos no Brasil, que é uma coisa que tá preocupando o governo e que é uma coisa que eu já fiz duas reuniões para ver se a gente consegue encontrar uma solução.”
Acrescentou: “Há várias razões para a subida do preço dos alimentos. Primeiro, a subida do dólar contribui para aumentar o preço da carne; contribui para aumentar o preço da soja; contribui para aumentar o preço do milho; e, de outros produtos que nós exportamos. Mas, também, nós temos que lembrar, sabe, o fogo. Nós temos que lembrar o calor, a falta de chuva e o excesso de chuva. Tudo isso contribui pra gente produzir mais ou produzir menos.”
Os preços de produtos agrícolas exportáveis — como carne, soja e milho, entre outros — são definidos nas bolsas internacionais de mercadorias. E os eventos climáticos drásticos se tornaram constantes.

Com essas ressalvas à responsabilidade do governo, Lula, então, remeteu a culpa a quem compra e vende alimentos — consumidores, produtores e comerciantes: “Tem, também, a capacidade de compra do povo. Na hora que há um aumento na demanda, ou seja, na hora que o povo pode comprar mais, na verdade, os vendedores aumentam os preços.”
“A gente corre o risco de ter uma inflação”, completou, “e a gente não quer ter inflação, porque quem paga com a inflação é você, é o trabalhador, é aquele que vai no supermercado comprar comida.”

Como Lula sabe, não é novidade no seu governo. Ela está aí há pelo menos quinze meses, e avançando. Em março do ano passado, por exemplo, ele anunciou numa reunião ministerial medidas para “barateamento dos alimentos”, como “incentivos” à produção de trigo, milho, mandioca, feijão e até a “desconcentração” do plantio de arroz dos campos do Sul para as terras do Centro-Oeste, com o argumento de redução dos custos de transporte das mercadorias.
Nada aconteceu, e 2024 terminou com os preços dos alimentos 7,9% mais altos em comparação com 2023, informou o IBGE nesta segunda-feira (27/1). O nível de aumento do custo para consumidores no Brasil foi quase o dobro do registrado em países como México, Chile e Colômbia.

Em várias capitais o aumento dos preços da cesta básica familiar de alimentos ficou bem acima da média nacional. O Dieese, organismo independente que Lula ajudou a criar nas batalhas sindicais por recuperação salarial dos anos 1970, mapeou oscilações entre 8,50%, em Vitória, e 11,91% em João Pessoa.
Em dezembro, o custo de uma cesta básica em nove cidades consumia mais de 55% de um salário mínimo líquido, depois dos descontos tributários. Em São Paulo, famílias gataram 64,4% de um salário mínimo líquido para comprar uma cesta básica.
O peso desse aumento nos preços dos alimentos nos gastos familiares é maior no orçamento do eleitorado mais pobre, que começou o ano com uma visão mais crítica do governo. É o que sugere pesquisa do instituto Quaest feita na semana passada com 4,5 mil eleitores em 250 municípios.
A avaliação de Lula piora no Nordeste, seu principal reduto eleitoral. A percepção negativa sobre seu desempenho na administração do país aumentou 11 pontos percentuais (de 26% para 37%) em apenas quatro meses, no período de outubro a janeiro. Aparentemente, eles discordam de Lula: acham que o governo, de alguma forma, é responsável pela inflação que está aí, e aumentando. Lula começou a campanha presidencial de 2026 tropeçando na crítica dos eleitores mais pobres e, também, dos nordestinos.