Lula enfrenta as consequências de um choque de realidade
Impasses nas políticas externa, econômica e ambiental derivam da opção de evitar escolhas. Para agonia de aliados, ele se mantém em aparente inércia
Lula amarga as consequências de um choque de realidade.
No fim de semana, saiu da reunião de cúpula do G7, em Hiroshima, deixando um rastro de dúvidas entre líderes dos países mais industrializados sobre sua política externa com a Rússia, no conflito militar na Ucrânia, e com a China, na guerra pela econômica e tecnológica com os Estados Unidos e a Europa.
Na segunda-feira (22), de volta ao Brasil, topou com a primeira e previsível crise dentro do governo, que pode acabar na demissão da ministra do Meio Ambiente Marina Silva.
De um lado, está em jogo o futuro da Petrobras, aflita com a perspectiva de declínio da produção no pré-sal do Sudeste, na próxima década. De outro, as perspectivas do parque industrial brasileiro, tecnologicamente assentado no consumo de energia fóssil.
Impasses sobre a prospecção de petróleo na costa do Amapá e a produção de um “carro popular”, turbinada por isenções tributárias, têm origem comum: a indefinição de um projeto para reestruturação da economia numa etapa de transição energética mundial.
Isso só é possível a partir de escolhas sobre política externa, ambiental e econômica, muito além das planilhas de despesa e de dívida pública. Mas, por conveniências eleitorais, Lula preferiu evitá-las na campanha, na transição e neste início de governo. Para agonia de aliados, se mantém em aparente inércia.
Na terça-feira (23), viu-se diante de uma eloquente muralha erguida no Congresso, em rara parceria de Arthur Lira, presidente da Câmara, com Rodrigo Pacheco, presidente do Senado.
Fizeram questão de deixar claro que é melhor Lula se acostumar porque não conseguirá reverter “realidades nacionais”, na definição do senador, em casos como os das leis da autonomia do Banco Central, da expansão do saneamento básico e da privatização da Eletrobras.
O caso da empresa de energia elétrica motivou uma ação assinada por Lula no Supremo com acusações — sem provas — de conluio do Congresso na aprovação da lei de privatização para favorecer lucros privados.
O objetivo, acrescentou Pacheco, “é a permanência dessa realidade”. Lira, também, foi incisivo ao dizer que já havia “comunicado” a Lula essa situação, e resumiu: “Qualquer ‘revisitação’ de temas decididos no Congresso deve ser feita no âmbito do Legislativo” — onde o governo é minoritário
No início da madrugada de hoje, Lira deu nova demonstração de força no plenário da Câmara: conduziu a aprovação do pacote de regras fiscais para controle da dívida pública nos próximos quatro anos.
Era um projeto de lei complementar, que exigia apoio mínimo de 257 votos. Recebeu 372 votos favoráveis, 108 contrários e uma abstenção. Entre os ficaram na oposição aberta à proposta do governo, mas acabaram votando a favor, destacaram-se 22 deputados do PT, ou seja, 32% da bancada de Lula.