São incontáveis as lendas sobre o basco registrado ao nascer com um mosaico de nomes: Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz y Picasso.
Morava em Paris em 1937 quando soube da vila Guernica, a 400 quilômetros de Madri, devastada em bombardeio aéreo comandado pelo marechal Wolfram von Richthofen.
Trancou-se num galpão por um mês e saiu com um painel monumental (3,5 metros de altura por 7,7 de comprimento) retratando a tragédia para a Exposição Internacional.
Certo dia, conta-se, estava próximo ao quadro quando um soldado alemão quis saber:
— Foi o senhor que fez isso?
— Não. Foram vocês — devolveu Picasso.
Nada se compara ao horror de uma guerra ou à beleza da pintura de Picasso, mas esse diálogo se tornou lendário por resumir a ideia da culpa coletiva nunca admitida.
A fraude bilionária no Banco Master é uma dessas situações catastróficas nas quais os beneficiários dissimulam responsabilidade e apontam para o aspirante de banqueiro, que aceitava pagar cachês e comissões até quatro vezes acima da “tabela” usada nas empresas financeiras da Faria Lima.
O mineiro Daniel Vorcaro gastou os últimos oito dos seus 42 anos de idade ensaiando os “Três Passos” prescritos em manuais de autoajuda para sucesso na competição empresarial:
1) Crie uma rede ampla de contatos políticos e empresariais;
2) Fique sócio do governo sempre e onde for possível;
3) Repasse aos outros os riscos do seu negócio.
Desde 2017, Vorcaro & Cia. tentavam a alquimia da conversão de esperteza em competência. Precisaram esperar um par de anos pela autorização do Banco Central e, na sequência, de muita ajuda em Brasília para transformar o alquebrado Máxima no maquiado Banco Master.
A cosmética financeira começou a derreter em 2020, quando o Banco Central recebeu alertas sobre “concorrência desleal” no pagamento de altas taxas de corretagem (o triplo da média) para venda de títulos de liquidez duvidosa.
“Rede de conexões políticas sustentou a maquiagem do Banco Master”
No réveillon deste 2025, o Master amanheceu exposto na praça como caso de gestão temerária. Tinha 50 bilhões de reais em títulos vendidos, mas estava sem caixa para pagar um quarto desses Certificados de Depósito Bancário (CDBs) que estavam vencendo.
No mercado financeiro, assim como no governo e no Congresso, sabe-se de tudo o tempo todo. É natural que a visão de algum operador relevante correndo nu pela Faria Lima em direção ao abismo evoque o trauma da quebradeira bancária da virada do milênio, caríssima para os cofres públicos. Por isso, nos últimos dias ecoou a pergunta: como se permitiu por oito anos a aventura de alto risco do grupo Master?
A melhor resposta talvez esteja no luxuoso investimento político que Vorcaro & Cia. fizeram na criação de uma rede de contatos, alianças e estratégias de apoio em Brasília, nas capitais e nos principais colégios eleitorais de dezoito estados. Eles se tornaram beneficiários do “capitalismo de laços”, mapeado pelo pesquisador Sérgio Lazzarini em livro sobre as privatizações dos anos 1990.
O Master se distinguiu pela ambição e ousadia nos enlaces interessados com sócios do poder. A rede de contatos de Vorcaro & Cia. destacava: um ex-presidente (Michel Temer); governadores como Ibaneis Rocha, do Distrito Federal; líderes partidários (Ciro Nogueira, Arthur Lira e Antonio Rueda, do bloco União Progressista; Jaques Wagner, do PT); ministro (Rui Costa, daCasa Civil); e ex-ministros (Walfrido Mares Guia e Flavia Peres), entre outros.
O juiz Ricardo Lewandowski, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, fez uma curta estadia num dos conselhos de governança do banco; saiu para assumir o Ministério da Justiça. Por lá também passaram dois ex-presidentes do Banco Central, Henrique Meirelles e Gustavo Loyola.
Nenhum deles teve participação nas fraudulências de Vorcaro & Cia., até onde se sabe. Mas todos estiveram no emaranhado de laços que, de alguma forma, guarneceram a operação do Master com o dinheiro alheio, parte dele oriundo de fundos de previdência do funcionalismo público.
Alguns se exibiram mais enredados, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos líderes da oposição no Congresso, e o governador Ibaneis Rocha (MDB-DF). Outros se mantiveram discretos e equidistantes, como o ministro Rui Costa, da Casa Civil, e o senador Jaques Wagner.
Tem de tudo na festança bilionária de Vorcaro & Cia. Só não se veem inocentes.
Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA
Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2025, edição nº 2971
* O espanhol Pablo Picasso nasceu em Málaga, na Andaluzia. Não era basco, portanto, ao contrário do que diz a versão original de “Laços perigosos”.
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