Juiz expõe a falta de lógica em cruzada do vice do TCU contra a Lava Jato
Vice do TCU torturou a lógica ao usar especulações para chegar a conclusões em sentido contrário aos fatos, segundo juiz federal
Quando criou o Tribunal de Contas da União, em 1890, o jurista Rui Barbosa, então ministro da Fazenda, ironizava os críticos rogando-lhes um mínimo de lógica entre as suas premissas e as suas conclusões.
Na sexta-feira, o juiz federal Augusto César Pansini Gonçalves demonstrou que o patrono do TCU, provavelmente, repetiria a sua súplica ao atual vice-presidente e corregedor do tribunal de contas, Bruno Dantas.
Em pelo menos um caso de repercussão na temporada eleitoral, Dantas torturou a lógica ao usar especulações “que aparentemente não são verdadeiras” — indicou o juiz — para chegar a conclusões em sentido contrário aos fatos.
Numa cruzada de ano e meio, ele sustentou no TCU um processo administrativo com o objetivo de punir seis procuradores da República que integraram a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba.
Queria a restituição dos pagamentos de diárias e despesas durante o trabalho na procuradoria, embora a seção do tribunal de contas encarregada do controle externo tivesse alertado sobre a inexistência de irregularidades.
Dantas extrapolou na condução do processo, segundo o juiz Gonçalves. Alguns exemplos indicados:
* Determinou um inquérito ilegal (Tomada de Contas Especial) contra um funcionário público, Deltan Dallangnol, que nada tinha a ver com as contas sob investigação;
* Avançou no caso apesar das advertências internas sobre a inexistência de irregularidades (“não foram constatados indícios concretos de ato antieconômico para o erário ou de ofensa explícita ao princípio constitucional da eficiência”);
* Contrariou “as próprias decisões” nos autos “de modo surpreendente”;
* Indicou quem deveria ser responsabilizado, mesmo sabendo da ausência de irregularidade;
* Resolveu, “por sua própria iniciativa”, arbitrar o valor a ser ressarcido ao erário sem base técnica;
* Descumpriu deliberações sobre o caso da 2ª Câmara Colegiada do TCU “que, aliás, decorriam de recomendações feitas antes pelo próprio ministro Dantas”;
* Imputou aos funcionários públicos investigados “a pecha de malversadores de recursos públicos”;
* Atribuiu-lhes “a prática do ‘jeitinho brasileiro'”, manejando citações de um artigo publicado pelo juiz Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal;
* Misturou “fatos investigados com outras controvérsias”;
* Por fim, “pareceu prejulgar o caso, e em termos peremptórios, denotando, com esse comportamento, uma suposta falta de impessoalidade”.
Aplicando a lógica há muito reivindicada por Rui Barbosa, o juiz Gonçalves suspendeu o processo do TCU contra os procuradores da Lava Jato.
Numa ironia, a sentença expõe Dantas como autor de um desses impulsos mordazes contra a confiança na realidade — definição para fake news que ele elaborou em artigo escrito em 2020 para a Fundação Getulio Vargas (“Entre a certeza e o cinismo: se Deus não existe, tudo é permitido? O papel das Cortes de Contas na preservação da verdade em tempos de fake news”).